Elon Musk apresenta tecnologia que permite comunicação entre cérebro e computador sem fios
Na semana passada, a Neuralink, uma startup de tecnologia cerebral que pertence a Elon Musk, apresentou a versão mais recente de sua tecnologia de implantes neurais. No estilo característico de Musk, o bilionário CEO que é dono da SpaceX e da Tesla fez o anúncio durante um evento amplamente divulgado e transmitido, no qual ele exibiu a funcionalidade dos implantes em diversos porcos.
O dispositivo tem tamanho de uma moeda grande e pode ser embutido completamente no crânio. Atrelado a ele estão 1.024 eletrodos flexíveis que se estendem dentro do córtex cerebral, a camada mais externa do cérebro responsável por diversas funções, incluindo controle motor e feedback sensorial. Um chip de computador customizável no aparelho amplifica os sinais do córtex e, sem nenhum fio, envia-os para um computador nas proximidades. Os eletrodos são inseridos cuidadosamente por um robô cirurgião e são capazes de registrar (e, teoricamente, também de gerar) os pequenos sinais elétricos, ou “picos”, produzidos por neurônios individuais. A ideia é que esses sinais poderiam ser utilizados para, um dia, realizar coisas como restaurar o movimento de pessoas que estão paralisadas ou criar uma prótese visual para a cegueira.
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Durante a demonstração de Musk, ele passeou próximo a um curral com diversos porcos, dos quais alguns possuíam implantes da Neuralink em seus cérebros. Um animal chamado Gertrude está com um implante há dois meses. Os eletrodos do aparelho estavam na parte do córtex de Gertrude que se liga aos neurônios em seu focinho. Para fins de demonstração, seus sinais cerebrais foram convertidos para sinais audíveis que se tornaram mais frequentes conforme ela andava pelo pelo curral, farejando e gostando de alguns alimentos. Musk também exibiu um porco cujo implante foi removido com sucesso, para mostrar que a cirurgia era reversível. Alguns dos outros porcos apresentados possuíam diversos implantes.
A Neuralink, que foi fundada por Musk e uma equipe de engenheiros e cientistas em 2016, revelou uma versão com fios e mais antiga de sua tecnologia de implante em 2019. Ela possuía diversos módulos: os eletrodos eram conectados a uma entrada USB no crânio, que planejava-se ser conectada a uma bateria externa e a um transmissor de rádio que estaria localizado atrás da orelha. A versão mais recente consiste de um único implante integrado que se encaixa em um buraco no crânio e envia seus dados pela pele via sinal de Bluetooth. A versão wireless parece ser muito mais prática para o uso humano, mas limita a quantidade de dados que pode ser enviada, em comparação com as interfaces cérebro-máquina mais avançadas que estão disponíveis.
Na demonstração, Musk disse que o objetivo da empresa é “resolver problemas de espinha e do cérebro importantes com um aparelho implantado perfeitamente” — algo bem diferente do que ele afirmou em sua declaração anterior, que defendia a meta fantástica de permitir aos humanos se fundirem com inteligências artificiais. Dessa vez, Musk parecia mais circunspecto sobre as aplicações do aparelho. Como antes, ele insistiu que a demonstração tinha como objetivo apenas atrair potenciais empregados.
Os esforços da Neuralink foram construídos durante décadas de trabalho dos pesquisadores no campo das interfaces cérebro-máquina. Apesar de impressionante tecnicamente, esse implante cerebral sem fio não é o primeiro a ser testado em porcos ou outros mamíferos maiores. Cerca de uma década atrás, os cientistas da Universidade Brown David Borton e Arto Nurmikko e seus colegas desenvolveram um neurosensor sem fio que foi capaz de registrar a atividade neural de porcos e macacos. Em 2016, os pesquisadores mostraram que poderia ser utilizado para ajudar macacos paralisados a andar. “A Neuralink, com muita criatividade, foi capaz de “copiar e colar” muita coisa que já foi desenvolvida nesse campo”, diz Nurmikko. A tecnologia pode não ser original, ele acrescenta. Mas ‘pode ter um futuro robusto em termos de realmente chegar aos humanos? Essa é a questão pendente, e a resposta poderia muito bem ser sim.”
Musk e Neuralink estão investindo recursos significativos para seu projeto. “É um esforço muito bem financiado. Eles possuem 100 pessoas trabalhando”, diz Ken Shepard, professor de engenharia elétrica e biomédica na Universidade de Columbia. “Esse é um nível de recurso que é muito impressionante para essa área. Acredito que isso aumenta as chances em relação a outros grupos.”
A tecnologia robótica da Neuralink para inserir eletrodos flexíveis é muito notável, diz Shepard. Ele diz que aumentar o número de eletrodos polímeros, ou “fios”, e as interconexões entre eles e o chip integrado ao circuito será algo difícil. O fluxo de dados também terá de aumentar: registrar 1000 eletrodos exige uma grande quantidade de informação, portanto a Neuralink vai precisar comprimi-los para poder usar o Bluetooth.
“Estamos no seguinte ponto: temos [basicamente] um protótipo de IPhone, e há muito a se aperfeiçoar” em termos da cirurgia para inserção, do aparelho em si, do alcance do sistema wireless, da transferência de dados e também de outras coisas, diz Shivon Zilis, diretor de projeto na Neuralink. “Existem muitas otimizações que precisam ser feitas entre o estágio de protótipo e algo que você tenha muito orgulho para mostrar aos consumidores como seu primeiro produto.
A Agência para Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) recentemente atribuiu a Neuralink uma designação de “aparelho inovador”, o que significa essencialmente que a empresa remeteu a papelada para iniciar o processo de reunir os dados necessários para a aprovação da FDA. Porém, existem diversos desafios a serem superados antes que o aparelho esteja pronto para uso humano. Ainda precisa se mostrar que ele é seguro e não causa dano ao tecido cerebral. E seus componentes eletrônicos sensíveis precisam resistir ao ambiente corrosivo do corpo humano.
A Neuralink não é a única empresa se aventurar no reino das interfaces cérebro-máquina. Uma empresa no Texas chamada Paradomics — fundada pela DARPA, a Agência de Projetos de Pesquisa de Defesa Avançada go governo dos EUA — está também desenvolvendo uma, potencialmente capaz de registrar os sinais de dezenas de milhares de neurônios. O projeto visa restaurar a comunicação para pessoas com paralisia que perderam a habilidade de falar ou digitar. E a empresa Kernel, da Califórnia, está desenvolvendo um aparelho semelhante a um capacete para monitorar os sinais cerebrais de modo não invasivo, que pode ser utilizado para fazer coisas como identificar uma música que alguém que esteja ouvindo. Ele não possui falta a resolução do aparelho da Neuralink e de sistemas de implante similares, mas possui o benefício de não precisar de cirurgia cerebral.
Ainda assim, com o tempo provavelmente os aparelhos como esse da Neuralink se msotrarão cada vez menos invasivos e mais flexíveis. Anteriormente, Musk já comparou esse desenvolvimento com o da cirurgia LASIK para os olhos, que agora é algo de rotina. Mas, assim como em qualquer cirurgia, os benefícios terão de ser comparados com o risco. Shepard acredita que abordagens não invasivas possuem vantagens reais para serem empregados em pessoas saudáveis. “É difícil para mim imaginar que, durante o meu período de vida, algum dia, uma pessoa saudável fará uma cirurgia para ter um [implante] em seus cérebros”, ele diz.
Tanya Lewis
Publicado em 04/09/2020