Elevação do nível do oceano ameaça reservas de água potável – e cientistas buscam soluções
O aumento do nível do oceano traz mais do que marés altas e alagamentos inconvenientes nas zonas costeiras. Ele também carrega água salgada aos aquíferos terrestres, nos quais os sais dissolvidos podem estragar a água potável.
Novos trabalhos na Universidade da Pensilvânia (EUA) buscam identificar corpos d’água vulneráveis ao longo das costas Atlântica e do Golfo – onde este aumento ameaça a qualidade das fontes – e desenvolvem estratégias para tornar a infraestrutura local mais resistente à intrusão de água salgada.
“Eu acredito que quando as pessoas pensam no aumento do nível do oceano, elas visualizam erosão ou ruas costeiras debaixo d’água – ou talvez o enfraquecimento do alicerce estrutural de construções, como no condomínio Surfside que desabou em Miami [EUA]”, disse Allison Lassiter, em uma entrevista por telefone. Ela é professora assistente de planejamento urbano e regional na Universidade da Pensilvânia e a principal investigadora por trás dos esforços de pesquisa.
“As pessoas raramente consideram os impactos em potencial na água potável”, afirma ela.
Comunidades costeiras estão comumente localizadas nas áreas de maior expansão do país (EUA), onde o aumento do nível do oceano já danifica casas, empresas e as provedoras de água – principalmente devido a alagamentos.
Mas também há custos humanos.
“Além de ser desagradável para beber, água salinizada pode prejudicar a saúde de populações vulneráveis, incluindo pessoas com hipertensão e grávidas”, explica Lassiter.
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Ainda que existam meios para lidar com a aproximação do oceano com as reservas de água – desde diques e quebra-mares até usinas de dessalinização – os custos e restrições geográficas desses projetos estão crescendo. Parte das provedoras de água não possui os recursos para financiá-los, afirmam especialistas.
“Honestamente, elas estão apenas tentando manter o sistema funcionando”, afirma David Totman. Ele é um hidrólogo de lençóis freáticos e antigo presidente do Instituto de Monitoramento e Engenharia de Provedoras da Sociedade Americana de Engenheiros Civis (EUA).
Lassiter e seus colegas afirmam que existem maneiras mais inovadoras e mais baratas de lidar com os riscos da intrusão de água salgada. Isso inclui o uso de sistemas de distribuição de água com sensores avançados e redes sem fio para identificar aumentos de salinidade e ajudar os administradores a trocar para fontes alternativas quando necessário.
Especialistas chamam essas abordagens de “sistemas de água inteligentes”, enfatizando que eles podem ser ideais para provedoras que trabalham só com água potável ou para aquelas que estão afundadas em dívidas, e até para as que possuem poucos contribuintes. A abordagem adere a um princípio de planejamento chamado “seguro para falhar” – o que significa que os sistemas são projetados com redundâncias para contingências.
“Essa pesquisa pode descobrir onde faria sentido implementar esses sistemas”, afirma Totman, não envolvido no estudo. Ele é um executivo do setor privado da Innovyze, uma empresa de tecnologia da Califórnia.
A intrusão da água salgada não é um novo problema, alegam os especialistas, e o aumento do nível do oceano apenas vai acelerar o problema para muitas comunidades costeiras para as quais a disponibilidade de água já está reduzida.
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De acordo com o Serviço Geológico dos EUA (USGS, na sigla em inglês), os níveis de salinidade de lençóis freáticos estão aumentando devido a múltiplas razões, incluindo uso excessivo de aquíferos profundos por provedoras de água e pela agricultura. Esses estresses irão crescer conforme os impactos das mudanças climáticas – principalmente calor e secas – se estendem para áreas que antes tinham reservas suficientes de água.
“Na Flórida, a água salgada se infiltrou nas reservas dos lençóis freáticos por diferentes meios cumulativos”, afirmou o USGS em uma avaliação de 2019 sobre a intrusão de água salgada e suas implicações para consumidores.
“A água salgada invadiu aquíferos porque os níveis de água doce de lençóis freáticos diminuíram em relação ao nível do mar, permitindo que água de gradientes mais altos flua na sua direção”, explica USGS. “Além disso, vazamentos de água salgada em canais terrestres, vazamentos entre aquíferos, ou até a ressurgência de água salgada das profundezas também atingiram os aquíferos de água doce”.
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Lassiter e sua pesquisa examinarão a intrusão de água salgada em comunidades da Nova Jersey até o Texas com foco especial em áreas rurais e de baixa renda. Esses são locais que podem ser atingidos por múltiplos impactos das mudanças climáticas.
“Ainda temos muito a pesquisar sobre o que é possível, acessível e útil para provedoras de água”, afirma Lassiter. “Certamente, diferentes condições sociais e ambientais irão determinar qual é a estratégia correta em diferentes locais”.
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Daniel Cusick
Daniel Cusick é um repórter para E&E News.
Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 17/03/2022; aqui em 18/03/2022.
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