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Doenças neurodegenerativas podem ser causadas por problemas no sistema de transporte dos neurônios

Em estudos com camundongos e moscas, falha em proteína envolvida no transporte de enzimas levou ao aparecimento de aglomerados de proteínas no cérebro

Quando o sistema que transporta moléculas através dos neurônios (representado rosa) falha, o caos ocorre lentamente. Crédito: Rockefeller University

Todas as doenças neurodegenerativas têm uma característica comum: o aparecimento de aglomerados de proteínas no cérebro, como placas beta-amilóides na doença de Alzheimer ou acúmulos de alfa-sinucleína na doença de Parkinson. Tem sido difícil identificar com precisão a causa desse acúmulo, mas uma equipe de cientistas da Universidade Rockefeller, dos Estados Unidos, encontraram um provável culpado, o que abre um novo caminho para o desenvolvimento de tratamentos.

Em dois estudos realizados em moscas e camundongos, pesquisadores descobriram que o problema está no sistema que transporta as chamadas proteassomas — máquinas moleculares responsáveis por quebrar proteínas — para locais específicos da célula.

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“Este é o primeiro estudo a identificar um mecanismo pelo qual as proteassomas se movem até as terminações nervosas para realizar seu trabalho”, diz Hermann Steller, professor da Universidade Rockefeller. “Quando esse mecanismo é interrompido, há graves consequências para a função das células nervosas, bem como para sua sobrevivência a longo prazo”.

Localização é a resposta

As proteassomas são produzidas no corpo celular dos neurônio, e precisam ser transportados por longas distâncias para alcançar as terminações nervosas onde o neurônio se conecta a outras células — uma jornada que pode chegar a mais de um metro, em alguns casos. Quando as proteassomas falham em alcançar esses locais de comunicação, a célula entra em turbulência.

“Em vez de serem degradadas, as proteínas danificadas ficam nesses locais por tempo suficiente para interagir com outros parceiros de ligação, formar agregados e prejudicar a função celular”, diz Steller. Com o tempo, isso causa a degeneração das fibras nervosas e, por fim, a morte celular.

Quando Steller e sua equipe começaram a estudar o sistema de transporte de proteassomas em moscas-das-frutas, eles identificaram uma proteína chamada PI31, que desempenha um papel crucial na alocação das proteassomas dentro dos componentes celulares que as transportam. Em pesquisa publicada na revista Developmental Cell, eles mostram que a proteína PI31 aumenta a ligação das proteassomas com seus transportadores celulares, promovendo o movimento. Sem essa proteína, o transporte é interrompido. Isso ocorre tanto em neurônios de moscas e de camundongos, o que sugere que o mecanismo de transporte é comum entre muitas espécies.

Para investigar mais a fundo os cenários em que a proteína PI31 é defeituosa, os cientistas trabalharam em conjunto com a professora Mary Beth Hatten para gerar ratos cujo gene PI31 foi desativado em dois grupos de células cerebrais com extensões particularmente longas. Em pesquisa publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, eles descobriram que, sem a PI31, os proteassomas não conseguem se locomover, resultando em níveis anormais de proteínas nas extremidades neuronais. Os neurônios que não tinham PI31 também se mostraram peculiares, tanto em relação aos seus ramos quanto às suas sinapses (as estruturas nas quais os ramos de dois neurônios se conectam).

“Notavelmente, essas mudanças estruturais se tornaram progressivamente mais severas com a idade”, diz Steller. “A inativação da PI31 nesses neurônios lembra os graves defeitos comportamentais e anatômicos que vemos em algumas doenças neurodegenerativas humanas”.

Oportunidades de tratamento

Há outras razões para acreditar que as descobertas podem dar pistas para novos tratamentos de doenças neurodegenerativas. Por exemplo, mutações em um gene humano chamado PARK15, que é crucial para a atividade da proteína PI31, foram identificadas em uma forma grave da doença de Parkinson de início precoce; mutações no próprio gene PI31 também já foram relacionadas à doença de Alzheimer.

Steller e sua equipe estão agora trabalhando para determinar se a PI31, ou outras moléculas que afetam sua atividade, são alvos viáveis para o desenvolvimento de novas drogas. O fato de a PI31 parecer estar envolvida nos estágios iniciais da degeneração das células nervosas é especialmente interessante, porque pode significar que os medicamentos que bloqueiem essa proteína podem conseguir interromper os danos cerebrais logo no início do processo.

Quanto ao que de fato provoca a degeneração do cérebro, Steller acredita que a formação de aglomerados de proteínas provavelmente não é o mecanismo direto da doença, mas sim um sintoma de problemas maiores. “Nosso trabalho sugere que esses acúmulos começam com um defeito local nas proteassomas, levando a falhas na degradação de proteínas essenciais para a função nervosa”, diz ele. “Essas proteínas não digeridas posteriormente formam agregados e ativam vias adicionais de controle de danos. Mas, eventualmente, esses sistemas de depuração são sobrecarregados, o que causa uma progressão lenta, mas constante, até se tornar uma doença detectável”.

Steller e seus colegas estão agora pesquisando maneiras de estimular a via de transporte para levar as proteassomas para os ramos distais — trabalho que eles acreditam que poderia ter um amplo impacto no tratamento de doenças neurodegenerativas.

Universidade Rockfeller