Documento sugere que italianos já sabiam da América antes mesmo de Colombo
A partir da análise, tradução e transcrição de um documento escrito por um frade genovês, um pesquisador encontrou a menção mais antiga, feita no sul da Europa, ao que hoje é considerado o continente americano, datando de 150 anos antes da viagem transatlântica de Cristóvão Colombo.
O documento, chamado Cronica universalis, foi escrito em 1345 por Galvaneus Flamma, autor de vários outros registros históricos. Nele, Galvaneus faz menção a rumores de navegadores islandeses sobre Marckalada, uma terra no noroeste do Atlântico, além da Groenlândia. Paolo Chiesa, autor da pesquisa e especialista em literatura medieval em latim no Departamento de Estudos de Literatura, Filologia e Linguística da Universidade de Milão, afirma que o local provavelmente era a atual província de Terra Nova e Labrador, no extremo leste do Canadá.
Essa não é a primeira evidência que outros navegadores europeus já tinham chegado na América antes de Colombo — islandeses e outros povos nórdicos já conheciam o trajeto. Mas a importância do achado está em sugerir que essas informações já circulavam no norte da Itália, terra natal de Colombo. “O que faz a passagem (sobre Marckalada) excepcional é sua localização geográfica. Não nas áreas nórdicas, como em outras menções, mas no norte da Itália,” afirma Chiesa.
Dessa forma, a ideia de Colombo como aventureiro pioneiro na exploração da América, que cruzou o oceano sem saber o que encontraria do outro lado, sofre mais um golpe. O autor de Cronica universali já tinha uma noção credível de terras além do Atlântico um século e meio antes da chegada do suposto “descobridor”.
Um relato credível
A pesquisa, publicada no jornal acadêmico Terrae Incognitae, indica que Cronica universalis é um dos últimos — ou talvez o último — trabalho de Galvaneus Flamma, que acabou deixando-o inacabado e sem o mesmo nível de refinamento de seus outros relatos. Durante sua vida como um frade dominicano, Galvaneus escreveu sobre o cotidiano das cidades-Estado italianas, e já forneceu informações confiáveis para os historiadores.
Chiesa aponta que a obra, esta versão reencontrada em 2013, tinha por objetivo reunir toda a história do mundo, desde sua “criação” até o momento da escrita. E Galvaneus estava bem posicionado para isso. Gênova (Itália), onde vivia, era uma importante rota comercial e marítima, reunindo em um só lugar notícias e rumores de diversos locais. “Não temos nenhuma evidência que navegantes italianos e catalães alcançaram a Groenlândia ou Islândia naquele momento. Mas eles certamente conseguiram obter mercadorias que foram transportadas dessas regiões para o Mediterrâneo,” afirma Chiesa.
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“A Marckalada descrita por Galvaneus é ‘rica em árvores’”, afirma Chiesa. Por mais que a descrição possa parecer genérica, este detalhe não é trivial. Isso pois ele ajuda o pesquisador a ter certeza que o trecho não faz referência a outras terras no extremo norte já conhecidas, como a Groenlândia ou a Islândia — ambas descritas como inférteis e desoladas, tanto por Galvaneus como por outros autores contemporâneos.
As descrições do autor não ficam apenas na reprodução de rumores, mas também são apoiadas por referências a relatos de outras culturas — tanto reais como mitológicos — e se encaixam com o conhecimento de seu tempo. “Eu não vejo nenhuma razão para desacreditá-lo,” afirma Chiesa. Ainda assim, acrescenta ele, as evidências eram muito fracas para que Marckalada fosse divulgada como uma nova terra e colocada nos mapas da época. Isso, por sua vez, explicaria porque sua menção só pôde ser encontrada agora, no relato de Galvaneus.
Cronica universalis ainda está sendo estudada e traduzida, mas já existem planos para publicação de uma edição acadêmica da obra.
Publicado em 11/10/2021.