Polarização faz divulgadores de ciência sofrerem ataques e ameaças no Brasil
São poucas as ocasiões em que vemos tantos países adotando uma mesma agenda. Apesar das particularidades de cada região, a crise do novo coronavírus forçou o mundo a se dividir entre aqueles que previnem e os que remediam. A opção de ignorar o ocorrido simplesmente não esteve disponível.
O impacto econômico da crise trouxe uma pressão grande sobre os comunicadores de ciência. A população quer soluções. Remédios que nos permitam encerrar quarentenas ou propostas menos severas de isolamento social. Qualquer coisa que nos livre da insegurança generalizada. Por conta disso, fica nas mãos de cientistas e comunicadores a importante tarefa de dizer quais propostas são, até o momento, científicas.
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Ao abordar temas envolvendo o novo coronavírus, pelo menos cinco canais de divulgação de ciência passaram a sofrer ataques virtuais e, em alguns casos, até ameaças. Dentre eles estão os grupos Nunca Vi 1 Cientista e Universo Racionalista, com dezenas de colaboradores, e iniciativas pessoais, como Canal do Schwarza, ComCiência Corporal e Hugo Fernandes.
Biólogo e professor na Universidade Estadual do Ceará, Fernandes trabalha com produção de conteúdo científico para a Internet desde 2010. No dia 25/03/2020, começou a receber inúmeras notificações sobre tentativas de invasão em suas redes sociais. No mesmo dia, o Nunca Vi 1 Cientista recebeu dezoito alertas sobre tentativas de invasão. Ao longo de uma semana, o total de invasões passou de uma centena em suas redes, algo inédito na história do projeto. Com 1,7 milhão de seguidores no facebook, o Universo Racionalista recebeu ameaças diretas em sua caixa de mensagens após publicações sobre o novo coronavírus.
Esses ataques ocorreram um dia após a fala presidente Jair Bolsonaro que incentivava pessoas fora do grupo de risco a retornarem à normalidade, contrariando consenso internacional sobre o assunto. Atualmente, uma parcela considerável das mortes registradas por Covid-19 no Brasil é de vítimas fora dos grupos de risco. Além de Nunca Vi 1 Cientista e Hugo Fernandes, Universo Racionalista, ComCiência Corporal e Canal do Schwarza também confirmaram ataques no mesmo período. Todos fazem parte do Science Vlogs Brasil, selo de qualidade para a divulgação científica no YouTube.
Para Laura de Freitas, farmacêutica e cofundadora do NV1C, isso é reflexo da falta de compreensão sobre como a ciência funciona: “ciência não é time de futebol ou partido político”. Hugo diz que “abordar temas polêmicos é necessário, alguém precisa fazer isso. E se posicionar é importante. Há divulgadores que não se posicionam. Eu não acho que essas pessoas estejam erradas, cada um tem direito de se posicionar ou não, mas não se posicionar também é um posicionamento.”
A defesa de que a pandemia se trata de um fato, e não uma invenção ideológica, fez subir o tom dos ataques nas redes sociais do Universo Racionalista, que escalaram até ameaças de agressão física.
É de se esperar que projetos da ordem de milhões de seguidores sofram constantemente tentativas de invasão, e até que se agravem ao abordarem pautas polêmicas de interesse público. No entanto, iniciativas com números bem menores também têm sofrido ataques no mesmo período, o que não ocorria antes da pandemia.
A situação sugere que os ataques às redes tenham ligação, embora ainda não seja possível comprovar esta hipótese. A quais grupos o silêncio dos influencers beneficiaria? Será uma tendência que só vai se intensificar daqui pra frente? São muitas perguntas, mas de uma coisa estamos certos: Sempre que ciência for pauta, divulgadores estarão lá. Ao menos enquanto puderem.
Caio Dallaqua (Via Saber)