Discriminação leva cientistas LGBT+ a considerar desistir da carreira
Quase um terço dos cientistas físicos (aqueles estudam sistemas não vivos) que pertencem a minorias sexuais e de gênero no Reino Unido já consideraram deixar a profissão por conta do clima no local de trabalho, sugere uma nova pesquisa.
Além disso, 18% dos pesquisadores que se declaram lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros ou de outras minorias (LGBT+) disseram que já experienciaram assédio, bullying ou comportamentos excludentes em seus locais de trabalho. O número aumenta para 32% quando se contabiliza pessoas transgêneros ou aquelas que não se identificam como homem ou mulher (não-binários). Os cientistas transgêneros e não-binários são, em geral, mais propensos do que outros grupos a relatar desafios em seu ambiente de trabalho, e as mulheres reportaram mais experiências negativas do que os homens.
Os resultados vem de uma pesquisa publicada no dia 26 de junho por sociedades científicas britânicas, que contataram mais de 600 pessoas que trabalham na Academia, indústria ou em escolas. É o maior estudo do tipo em todo o mundo na área de ciências físicas. A maioria dos participantes se identificou como LGBT+, embora a pesquisa tenha incluído também uma minoria de pessoas heterossexuais e cisgêneros — indivíduos que se identificam com o gênero designado a eles no nascimento.
O uso da linguagem — como o uso depreciativo da palavra “gay” —, o humor ofensivo e o uso incorreto de pronomes são alguns dos fatores que criam um clima pouco receptivo. “São todas as pequenas coisas que, ao longo do tempo, acumulam e criam uma cultura que não é muito agradável”, conta Jennifer Dyer, chefe de diversidade no Instituto de Física de Londres, que conduziu a pesquisa juntamente com a Royal Astronomical Society e a Royal Society of Chemistry.
Em geral, três quartos dos participantes LGBT+ relataram se sentir confortáveis no trabalho, e quase 70% disse que acham que a situação está melhorando. Mas isso mascara “um cenário oculto”, em que quase metade concorda que há uma falta de consciência sobre as questões LGBT+ nos ambientes de trabalho, diz Dyer.
Representatividade importa
As sociedades científicas dizem que, apesar da abundância de evidências de que a diversidade beneficia a ciência, os locais de trabalho ainda têm muito a fazer para cultivar ambientes inclusivos — especula-se que os LGBT+ ainda sejam sub-representados na ciência em geral. O estudo faz recomendações específicas para indivíduos e instituições, que incluem o apoio a cientistas e redes LGBT+. Iniciativas mais amplas, como locais de trabalho que celebram o Mês do Orgulho LGBT, não necessariamente se traduzem em uma sensação de compreensão sobre os problemas que os cientistas LGBT+ enfrentam, segundo Dyer.
Os resultados reforçam os de outra pesquisa, publicada pela American Physical Society (APS), dos Estados Unidos, em 2016. Uma diferença notável é que apenas 4% dos participantes britânicos disseram que se sentiam “muito desconfortáveis” no trabalho, comparado com 46% do grupo correspondente na pesquisa americana. “Isso é impressionante”, diz Elena Long, física nuclear e a coordenadora da pesquisa dos EUA. Uma das razões para a disparidade poderia ser que a pesquisa britânica incluiu cientistas que trabalham na indústria, que poderia estar à frente da Academia em termos de questões LGBT+, segundo ela.
O estudo traz dados muito necessários para uma área em que a pesquisa é escassa, e oferece uma oportunidade para a comunidade acadêmica lutar contra a discriminação endêmica ou a exclusão de comunidades minoritárias. “Essa pesquisa é essencial e serve de referência para monitorar o progresso”, diz o astrofísico Alfredo Carpineti, um dos cofundadores da campanha Pride in STEM (“Orgulho LGBT nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática”), em 2016. O grupo ajudou a estabelecer um dia internacional dos LGBT nessas áreas, para aumentar a conscientização sobre a diversidade e inclusão na ciência. O evento vai ser celebrado pela segunda vez no dia 5 de julho.
Treinamento inclusivo
Pode haver alguns motivos pelos quais os cientistas enfrentam mais desafios do que pessoas de outros setores, segundo o relatório. Um deles é a natureza internacional da ciência — uma carreira de sucesso geralmente significa ter que interagir com pessoas em culturas menos inclusivas a pessoas LGBT+. Os cientistas relataram que se sentiam menos seguros em relação à sua identidade sexual ou de gênero quando trabalhavam nessas culturas e, em alguns casos, sentiam que poderiam “voltar ao armário” em prol de uma colaboração tranquila. É essencial que as instituições reflitam sobre a natureza internacional da ciência em suas políticas LGBT+, diz o relatório.
A cultura em locais de trabalho científicos também raramente estimula conversas sobre vidas pessoais, o que pode tornar mais difícil para os cientistas LGBT+ se assumam, caso queiram. O relatório sugere que espaços sociais, como cafés da manhã e almoços, podem encorajar a equipe a ter conversas mais casuais.”
Segundo o relatório, também é essencial prover treinamento específico para cientistas que efetivamente apoie os membros LGBT+ e cubra a linguagem inclusiva. “Se você pensa que pode apenas folhear instruções de treinamento ou colocar uma bandeira de arco-íris uma vez por ano, não cumpriu bem seu trabalho”, diz Carpineti. E, embora o estudo não tenha examinado fatores como raça e deficiência, ser membro de vários grupos minoritários aumenta os problemas, diz ele, e o treinamento também precisa abranger isso.
Entre outras recomendações, o relatório sugere que as pessoas coloquem seus pronomes em assinaturas de e-mail e em crachás durante eventos. “Isso normaliza a ideia de que nem todo mundo é ele ou ela”, diz Dyer.
Carpineti diz que um comentário no relatório resumiu os desafios que as iniciativas LGBT+ enfrentam. Feito por um dos homens heterossexuais cisgêneros pesquisados, o comentário chamou as questões de “infantis” e rejeitou a necessidade de estar ciente das questões sobre orientação sexual e identidade de gênero em um ambiente profissional. Isso reflete “praticamente todas as mensagens de ódio que recebemos no Pride in STEM” e vem de uma posição privilegiada, que não entende que a ciência não é separada das pessoas que a colocam em prática, diz Carpineti. “Não se pode simplesmente fingir que o trabalho é apenas trabalho: isso leva a uma ciência muito empobrecida.” É essa atitude que precisamos desafiar, finaliza ele.
Elizabeth Gibney