Dieta de restrição calórica pode desacelerar câncer, sugere estudo

Dieta de restrição calórica pode ajudar a inibir multiplicação de células cancerígenas. Crédito Christine Daniloff/MIT
Pesquisadores analisaram os impactos de duas dietas de redução de glicose no desenvolvimento do câncer pancreático, em ratos. A primeira — uma dieta cetogênica, que envolve alto consumo de lipídios, com redução de proteínas e carboidratos — não mostrou diferenças em relação ao grupo controle, de dieta normal. Já a segunda, de restrição calórica, indicou uma diminuição significativa na velocidade de crescimento do tumor.
O estudo, publicado na revista Nature, foi realizado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Eles ressaltam que os achados ainda são preliminares e não é recomendado que pacientes de câncer sigam qualquer dieta discutida no trabalho. “Há muitas evidências que uma dieta pode afetar o quão rápido o câncer progride, mas isso não é uma cura,” explica Matthew Vander Heiden, autor sênior do artigo e diretor do Instituto Koch de Pesquisa Integrativa do Câncer, do MIT. “Ainda que as descobertas sejam intrigantes, mais estudos são necessários, e pacientes devem falar com seus médicos sobre a melhor dieta para seu câncer”, afirma ele. Algumas dessas dietas apresentam riscos que podem ser potencializados pela condição de saúde dos pacientes.
Detalhes do estudo
As conexões entre dietas e o desenvolvimento de câncer há anos têm sido alvo de interesse, tanto em boatos como por parte da comunidade científica. Assim, nesse estudo, os pesquisadores decidiram selecionar duas dietas específicas, que reduziam o consumo de glicose — outros trabalhos já haviam mostrado benefícios contra tumores. Sua hipótese era que essa redução prejudicaria o desenvolvimento das células cancerígenas, em razão delas consumirem grandes quantidades da substância.
Dessa forma, a equipe separou os ratos com câncer pancreático em três grupos. O primeiro seria o grupo controle, sem alteração na alimentação. O segundo começaria uma dieta cetogênica, que aumenta o consumo de lipídios e ácidos graxos, enquanto reduz as quantidades de outros macronutrientes. O terceiro grupo seria alimentado com uma dieta de restrição calórica.
Ao analisar os resultados, a equipe concluiu que os ratos na dieta cetogênica não tiveram qualquer benefício em relação ao grupo controle — seu câncer progrediu no mesmo ritmo. Já os tumores dos ratos que consumiram menos calorias, do terceiro grupo, se desenvolveram de forma significativamente mais lenta.
Hipóteses e conclusões
A explicação para essa diferença estaria na quantidade de lipídios e ácidos graxos consumidos. Como as células cancerígenas se replicam de forma mais rápida que células normais, elas utilizam mais dessas substâncias para fabricar a membrana das novas células.
Normalmente, quando essas substâncias não estão disponíveis, as células podem fabricá-las por si mesmas. Porém, para isso, precisam ajustar precisamente a proporção entre ácidos graxos saturados e insaturados no seu meio intracelular, o que, por sua vez, depende de uma enzima, a estearoil-CoA dessaturase (SCD, na sigla em inglês).
Tanto a dieta cetogênica como a de redução de calorias conseguem reduzir a atividade da SCD. Mas o problema da primeira é que, como nele se consome grande quantidade de gorduras, as células não precisam fabricar mais — todos os ácidos graxos são disponibilizados pela alimentação. Já a dieta de restrição calórica age nas duas frentes: inibe SCD e, ao mesmo tempo, não fornece quase nenhuma gordura para as células cancerígenas, impedindo que elas usem esse material para fabricar mais membrana na sua multiplicação. E, se as células não se multiplicam, o tumor não cresce.
Essa cadeia de reações levou os cientistas a concluir que não é a redução da glicose que ajuda no controle do câncer, mas sim a redução no consumo de lipídios. “A restrição calórica não somente deixa os tumores desprovidos de lipídios, como também enfraquece o processo que os permite adaptar-se a isso. Essa combinação está contribuindo em muito para inibição do crescimento do tumor,” afirma Evan Lien, pesquisador de pós-doutorado no MIT e principal autor do estudo.
Estudos complementares
O artigo também acompanhou os efeitos de dietas em pacientes humanos com câncer de pâncreas. Nesse estudo, em parceria com o Instituto de Câncer Dana-Farber, os cientistas observaram um grupo de pessoas em dietas de baixa glicose: o tipo de gordura que eles consumiam parecia ter um impacto no desenvolvimento da doença.
Ainda assim, os pesquisadores afirmam que os dados estão incompletos demais para conclusões mais sólidas, e reforçam que não há evidências para recomendar dietas. Seu foco, ao invés disso, é desenvolver novos medicamentos a partir dos “pontos fracos” dos tumores identificados no estudo. Uma possibilidade é explorar a dependência das células em ácidos graxos e criar uma droga capaz de inibir a enzima SCD. Assim, os pacientes teriam os mesmos benefícios de uma dieta e evitariam alguns dos riscos.
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“O propósito desses estudos não é necessariamente recomendar uma dieta, mas entender em detalhes a biologia em funcionamento,” esclarece Lien. “Ela provém um entendimento dos mecanismos de como essas dietas funcionam. Isso pode levar a ideias racionais de como podemos replicar essas situações para tratamentos de câncer.”
Para Lien e os outros pesquisadores, o próximo passo é estudar como o consumo de diferentes tipos de lipídios — provenientes de plantas ou animais, monoinsaturados e polinsaturados — pode ajudar a alterar o balanço de ácidos no interior das células cancerígenas.