Dez anos após o bóson de Higgs, físicos têm altas expectativas para o Grande Colisor de Hádrons
Imagine que você acabou de chegar a um planeta em outro sistema solar. De repente, cinco minutos depois de pousar, você vê uma forma de vida alienígena. Esta é uma descoberta incrível! Você pode passar décadas tentando entender esse ser exótico, sondando suas propriedades e investigando como ele chegou lá. Ao mesmo tempo, você espera que pode haver outras criaturas fascinantes ao redor, talvez ainda mais intrigantes do que as primeiras e possivelmente muito mais difíceis de vislumbrar.
É assim que se sentem os físicos de partículas quando começamos uma nova fase, chamada Terceira Corrida (ou simplesmente, R3, em inglês), no acelerador de partículas mais poderoso do mundo: o Grande Colisor de Hádrons (ou LHC – Large Hadron Collider) no CERN perto de Genebra. Este mês marca o 10º aniversário da descoberta do bóson de Higgs, uma partícula há muito procurada que havia sido prevista quase 50 anos antes.
O LHC foi construído para encontrar o bóson de Higgs e o fez. Seu próximo objetivo é encontrar pistas para nos ajudar a decifrar outros mistérios não resolvidos. Embora a máquina ainda não tenha descoberto outras novas partículas fundamentais — especialmente as esperadas partículas supersimétricas que populares teorias previram e ainda podem estar por aí — desde o bóson de Higgs, o futuro no LHC é promissor. Temos muitos novos caminhos para explorar e muitas razões para otimismo.
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A descoberta do bóson de Higgs, que ocorreu apenas quatro anos após a abertura do Grande Colisor de Hádrons, foi um golpe de sorte — poderia ter levado muito mais tempo para detectar a partícula, ou talvez nunca a tivéssemos encontrado. A massa da partícula poderia não estar na faixa acessível do colisor, ou poderia não interagir o suficiente com outras partículas para ser produzida nas colisões do LHC. Talvez nem sequer existisse.
Mas a natureza foi ainda mais gentil: por razões que ainda não entendemos, ela fez com que a massa do bóson de Higgs fosse 125 vezes a massa de um próton, um valor que faz com que o Higgs decaia em muitas das partículas que conhecemos em níveis semelhantes. Essa propriedade torna conveniente explorar como o bóson de Higgs conversa com essas outras partículas e abre muitas oportunidades para procurar o inesperado.
O bóson de Higgs era a parte restante do Modelo Padrão da física de partículas, nossa principal teoria das propriedades e interações entre os pedaços fundamentais da natureza. Grande parte da física de partículas não se encaixa nesse modelo, no entanto. O estado atual de nosso campo parece tentar entender a ciência da culinária quando tudo o que você tem é uma boa compreensão da teoria de como a água ferve.
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O Modelo Padrão é omisso sobre a matéria escura e até mesmo sobre a força da gravidade. Os neutrinos estão lá, mas suas pequenas massas não são explicadas. A matéria comum está lá, mas sem explicação de como ela prevaleceu sobre a antimatéria após o Big Bang. O bóson de Higgs está lá, mas sem nenhuma tentativa de explicar por que o campo de energia invisível do bóson se ativou no início do Universo para dar massa a outras partículas — ou por que suas massas são tão diferentes quanto as de uma formiga e de uma baleia ou por que o Higgs deu a si mesmo uma massa que coloca o Universo atual à beira da instabilidade cósmica.
O Grande Colisor de Hádrons foi projetado como uma máquina de descobertas para nos ajudar a responder a essas perguntas e, felizmente para nós, tem mais 20 anos em seu horizonte antes de desligar. Os principais detectores do colisor — ATLAS e CMS — tornaram-se experimentos bem diferentes na R3 do que eram há 10 anos. Ambos receberam tecnologias atualizadas, e uma nova geração de cientistas talentosos está buscando novas ideias sobre como vislumbrar o que pode haver lá fora. Na R3, todos os experimentos do LHC estarão entrando em território anteriormente inexplorado em várias frentes. Estou tremendo de ansiedade com o que pode estar por vir.
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Já conseguimos produzir muitos milhares de bósons de Higgs no LHC e agora estamos trabalhando para detectar as formas mais raras pelas quais a partícula pode ser produzida e depois decair em outras partículas. Há muitas chances de surpresas, seja em medições de precisão que podem mostrar que o Higgs é produzido ou decai de forma um pouco diferente das nossas previsões do Modelo Padrão ou através da observação de fenômenos exóticos relacionados ao Higgs. Por exemplo, o bóson de Higgs pode decair em matéria escura, ou o seu decaimento pode violar a simetria esperada entre matéria e antimatéria.
Até agora só vimos colisões que produzem um único bóson de Higgs por vez. Mas achamos que também deve ser possível produzir dois em uma única colisão. Essa produção “bi-Higgs” nos daria uma janela direta de como o campo de energia de Higgs foi ativado após o Big Bang, porque é uma medida direta de quão fortemente o bóson de Higgs e, portanto, o campo de energia de Higgs, interage consigo mesmo.
O Modelo Padrão prevê que colisões produzindo dois bósons de Higgs ocorrerão em uma taxa finita, porém pequena, sugerindo que esse processo se tornará detectável perto do final da vida útil do LHC. Essa é uma perspectiva empolgante, mas também não há razão convincente para acreditar nos detalhes dessa previsão: o Modelo Padrão não presume conhecer as origens do bóson de Higgs ou entender os mecanismos do campo invisível de Higgs no início do Universo. Um sinal bi-Higgs poderia ser visto mais cedo, durante a R3, talvez induzido por novas partículas que melhoram o processo.
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Bóson de Higgs poderia explicar o domínio da matéria
Menos de uma colisão do Grande Colisor de Hádrons em um bilhão produz um bóson de Higgs, então a descoberta inicial foi como encontrar uma agulha em um grande palheiro. Hoje, os teóricos propuseram muitas possibilidades para outras partículas alienígenas que poderiam eventualmente aparecer em nossos detectores. Mas o desafio agora é como procurar algo no palheiro quando você nem sabe se está procurando uma agulha ou algum outro objeto inteiramente diverso.
Outras novas oportunidades não faltam. Dez anos atrás, a maioria dos físicos teria descartado a ideia, se alguém fosse louco o suficiente para sugerir que poderíamos conectar uma rede neural a um detector do Grande Colisor de Hádrons para analisar suas descobertas. Hoje, graças às inovações desenvolvidas por um grupo brilhante de meus colegas juniores e parceiros da indústria ansiosos para ultrapassar os limites da inteligência artificial, uma rede analisa 40 milhões de colisões do Grande Colisor de Hádrons por segundo para decidir o que parece interessante o suficiente para registrar para estudo posterior por humanos.
Quando você vê fotografias dos colossais detectores ATLAS e CMS, a maior parte do volume dos detectores que você está olhando é sua porção externa, que foi projetada para detectar e medir um tipo especial de partícula chamada múon — um primo do elétron que é frequentemente produzido quando as partículas decaem, incluindo o bóson de Higgs. Os múons penetram na matéria mais facilmente do que outras partículas que são paradas e medidas nas porções internas dos detectores.
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Nos últimos dois anos, os inovadores do CMS e do ATLAS perceberam que podem redirecionar os detectores externos para descobertas em potencial que, de outra forma, seriam perdidas. Muitos modelos que tentam explicar a matéria escura propõem a existência de partículas exóticas de vida longa que podem penetrar pelos detectores internos e chegar aos detectores externos antes de decair em partículas padrão. Esse cenário produziria um sinal de descoberta que poderia ser relativamente fácil de ver, mas somente se você soubesse procurá-lo.
Dez anos após a descoberta do bóson de Higgs, o campo da física de partículas está florescendo com novas ideias destinadas a esclarecer mistérios obscuros. O Grande Colisor de Hádrons está iniciando um novo capítulo em sua vida, com feixes de partículas mais poderosos, recursos de detecção aprimorados e técnicas mais sofisticadas para permitir a descoberta. Tanto os experimentalistas quanto os teóricos estão expandindo as fronteiras de sua engenhosidade nesta emocionante jornada de exploração.
Marcela Carena
Marcela Carena é física de partículas e chefe da Divisão de Teoria do Laboratório do Acelerador Nacional Fermi em Batavia, Illinois, e é professora de física na Universidade de Chicago, onde é membro do Instituto Enrico Fermi e do Instituto Kavli de Física Cosmológica.
Este é um artigo de opinião e análise, e as opiniões expressas pelo autor ou autores não são necessariamente as da Scientific American.
Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 05/07/2022; aqui em 26/07/2022.