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Despedida de telescópio que pesquisou o Big Bang marca o fim de uma era na cosmologia

O Planck ajudou a determinar a idade, o formato e até a composição do Universo, e cientistas já lamentam sua ausência

Uma era transformadora na ciência cosmológica terminou esta semana quando o telescópio Planck, da Agência Espacial Europeia, apresentou seu último mapa do Universo primordial. O Planck foi o último de uma linha de três grandes telescópios espaciais destinados a estudar a radiação cósmica de fundo de microondas (CMB, na sigla em inglês), o brilho fraco que foi deixado como rastro do Big Bang. O resultado foram as medições mais precisas sobre a idade, a geometria e a composição do cosmos. Com as agências da Europa e dos Estados Unidos hesitantes em financiar outra missão espacial deste tipo na sequência, o Planck parece destinado a ser o último telescópio espacial a estudar a CMB por muitos anos, o que será uma mudança para os cosmólogos.

“Há toda uma geração de jovens cientistas que cresceram com a missão do Planck”, diz o cosmólogo Jan Tauber, cientista responsável pelo projeto da missão junto à Agência Espacial Europeia (ESA) em Noordwijk, na Holanda.

Por mais de duas décadas, vários experimentos situados na Terra ou em balões, além dos três grandes telescópios espaciais, estudaram a CMB. Seu foco foi mapear variações mínimas na temperatura da CMB no céu para criar gráficos do Universo, que agora se tornaram o padrão ouro da cosmologia. O Planck, que coletou dados entre 2009 e 2013, fez isso com mais precisão do que ninguém: seus dados ajudaram os pesquisadores a determinar a idade do Universo (cerca de 13,8 bilhões de anos), sua geometria (essencialmente plana) e sua composição (95% matéria escura e energia escura). Em especial, a pesquisa mais recente comprova uma previsão anterior baseada nos dados do Planck de que o Universo deve estar se expandindo 9% mais lentamente do que podemos observar atualmente.

Os mapas de temperatura e a ciência que eles produziram foram uma “grande conquista”, mas eles não têm muito mais a nos ensinar, diz Peter Coles, cosmólogo teórico da Universidade de Maynooth, na Irlanda, que não participou das pesquisas.

A difusão do Planck

Muitos cientistas que trabalharam na missão já partiram para outros projetos. Silvia Galli, que começou a fazer parte da equipe de pesquisa do Planck em 2013, após seu doutorado, faz parte das poucas dezenas de cientistas que permaneceram na missão e ajudaram a liderar o estudo mais recente. Agora, ela diz que provavelmente irá se juntar a muitos de seus colegas que estão trabalhando na missão Euclid, uma importante pesquisa européia que mapeará as galáxias do Universo em uma escala sem precedentes. Seu lançamento está previsto para 2021. O Euclid é um telescópio óptico antiquado, não um detector de microondas, o que torna a missão tecnicamente diferente pois requer outras habilidades. Para meu desenvolvimento individual é animador me transferir para uma pesquisa tão distinta em relação à anterior, diz ela.

Mas a ausência de alguma grande missão para estudar a CMB sequer à vista preocupa muitos pesquisadores. “Cientificamente, pode ser um desastre”, diz Galli, do Instituto de Astrofísica de Paris (IAP, na sigla em inglês). “Existe o risco de que muitos capacidades e especialidades se percam.”

O foco principal do campo agora é fazer medições detalhadas de outros parâmetros da CMB, incluindo sua polarização: uma leve tendência existente nos campos eletromagnéticos das microondas se alinharem em direções específicas. Nesse sentido, os pesquisadores esperam encontrar algum sinal característico da inflação, o breve período no início do Big Bang durante o qual o Universo teria se expandido exponencialmente. Os cosmólogos também podem medir a distribuição de matéria através do Universo, estudando como a polarização da CMB curva o espaço-tempo, diz Karim Benabed, pesquisador sênior do Planck no IAP. Este efeito é chamado de lente gravitacional.

O Planck mapeou a polarização – como um telescópio da NASA nos anos 2000 já tinha mapeado – mas com sensibilidade limitada. “Apenas 10% das informações da polarização foram exploradas”, diz Jacques Delabrouille, um astrofísico da Universidade de Paris-Diderot que ajudou a projetar o Planck. “A CMB ainda tem muitos segredos a serem descobertos”, diz ele.

O problema da polarização

A Nasa e a ESA até agora se recusaram a financiar novos satélites grandes para estudar a CMB, embora vários grupos norte-americanos estejam trabalhando com instrumentos de solo e em balões para medir a polarização. Julien Carron, do Planck, e pós-doutorando na Universidade de Sussex, em Brighton, Reino Unido, já se juntou a um desses projetos: o Simons Observatory, no Chile. Ele diz que um dos seus atrativos  é a possibilidade de usar lentes gravitacionais para abordar outro problema fundamental da física: estimar as massas de partículas elementares chamadas neutrinos.

Uma razão para as agências espaciais suspenderem o financiamento de grandes projetos de CMB é que ainda é necessário que as pesquisas encontrem um sinal da polarização da inflação. Um experimento chamado BICEP2 afirmou ter detectado esse sinal em 2014, mas os dados do Planck mostraram posteriormente que se tratava apenas de poeira na Via Láctea. Nos últimos estudos, a equipe do Planck também procurou por um sinal de inflação com a ajuda dos dados do BICEP2, mas não conseguiu detectar nada. No entanto, “o fato de ainda não termos encontrado esse sinal não significa que ele não esteja lá”, diz o cosmólogo Richard Gott, da Universidade de Princeton, em Nova Jersey.

Muitas equipes dos EUA estão agora unindo forças e buscando financiamento para construir uma rede de telescópios terrestres de última geração chamada CMB-S4, que custaria 400 milhões de dólares, e seria muito mais sensível aos sinais de inflação do que qualquer instrumento que já tenha existido. Essa é a próxima grande pesquisa no horizonte, diz Tauber.

Muitos pesquisadores da CMB continuam defendendo as missões espaciais. A cosmóloga do Planck, Erminia Calabrese, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, está fazendo pressão para que a Europa se junte ao LiteBIRD, uma proposta japonesa de uma sonda de baixo custo que procuraria por sinais da inflação cósmica. “A ideia é construir um satélite menor e mais focado”, diz Calabrese. Mas do espaço, ainda haveria a vantagem de se ver o céu inteiro – algo que não pode ser feito a partir do solo. Outros esperam que a ESA se junte à Índia em uma outra missão para entender a polarização, chamada CMB-Bharat.

Outros cosmólogos estão tentando impulsionar a pesquisa de polarização da CMB na Europa. Davide Maino, membro sênior do Planck na Universidade de Milão, na Itália, faz parte de um experimento de polarização liderado pelos italianos que ocorrerá na ilha espanhola de Tenerife. Se os experimentos que ocorrerão no solo mostrarem algum sinal de inflação, isso encorajará as agências espaciais a financiar grandes missões, dizem os pesquisadores. “É claro que haverá dinheiro”, diz Benabed.

Davide Castelvecchi

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