Descida de jipê robô em Marte vai incluir sete minutos de alto risco
No próximo dia 18 de fevereiro, quinta-feira, o rover Perseverance, da Nasa, deverá atingir a atmosfera superior de Marte e enfrentar “sete minutos de terror” até pousar na superfície do planeta vermelho às 20:55 GMT. Isso é algo incrivelmente difícil de fazer; apenas cerca 40% das missões que tentaram foram bem-sucedidas.
Como integrante de uma equipe que construiu o rover Rosalind Franklin (nós fizemos a PanCam, os “olhos” da câmera do rover), da Agência Espacial Européia, que partirá para Marte no ano que vem, estarei de respiração presa durante o pouso.
Há muito em jogo. Além de desvendar alguns dos segredos mais bem guardados de Marte, e servir como etapa fundamental para um futuro esforço de retorno de amostras do terreno marciano para a Terra, esta missão também pode ter lições importantes para o pouso do Rosalind Franklin.
Corretamente batizado de Perseverance (“perseverância”), o rover da Nasa decolou no céu matinal da Flórida a bordo de um foguete Atlas V em 30 de julho de 2020, em meio a uma pandemia global para os terráqueos. Este foi o início de uma jornada de quase 500 milhões de quilômetros ao planeta vermelho, no qual viajaram, além do jipê robô que tem o tamanho de um carro, um helicóptero chamado Ingenuity.
O destino é a cratera de Jezero — uma bacia de 45 km de largura, com um antigo delta de rio seco, penhascos, dunas e campos de pedregulhos — onde ele irá procurar por sinais de vida primitiva e ancestral na superfície marciana.
Claro que não é impossível que ele também detecte vida atual, se houver alguma. O Perseverance também coletará amostras do solo, que serão recuperadas e trazidas à Terra por outra missão no final da década de 2020. Esta será a primeira tentativa de fazer uma decolagem a partir da superfície de outro planeta.
Seqüência de pouso
O que torna um pouso em Marte algo tão difícil é que a pressão atmosférica é tão baixa que as espaçonaves se deslocam a em velocidades enormes, a menos que se consiga desacelerá-las. Além disso, o pouso deve ser feito de forma autônoma, sem contato em tempo real com a Terra.
A sequência de pouso do Perseverance será uma versão aprimorada e mais precisa da técnica “Skycrane”, empregada para pousar em segurança o rover Curiosity, da Nasa, em 2012.
Os “sete minutos de terror” começarão às 17:48 (horário de Brasília), quando uma cápsula de proteção contendo o Perseverance, o Ingenuity e um veículo de descida chamado Skycrane entrará na atmosfera de Marte a 19.500 km / h.
Pouco mais de um minuto depois, devido ao atrito com a atmosfera superior, a cápsula atingirá sua temperatura externa máxima, 1.300 ° C. Felizmente, a parte dianteira da cápsula possui um escudo térmico protetor contra o calor.
Às 17:52, um paraquedas de 21,5 metros será aberto e o escudo térmico será ejetado. Dois minutos depois, a parte de trás da cápsula também se separará. Impulsionado por oito retrofoguetes reguláveis, o Skycrane descerá a uma velocidade de 2,7 km / h, transportando o rover suspenso em cabos de náilon de 7,5 metros, a cerca de 20 metros acima do solo.
Quando a velocidade do Skycrabe desacelerar para 2,5 km / h, o rover tocará a superfície e os cabos serão cortados. Às 17:55 , o Perseverance deve pousar enquanto o Skycrane voa para o pôr do sol a uma distância segura.
Embora o Skycrane já tenha sido usado antes, recursos conhecidos como “acionamento por distância” e “navegação relativa pelo terreno” foram adicionados desta vez, já que o terreno de pouso é muito menos plano.
O acionamento por distância estipula o momento de acionamento do paraquedas com base na posição do rover em relação à área alvo do pouso, que é dez vezes menor que a do Curiosity. A navegação relativa pelo Terreno inicialmente usa radar e, posteriormente, imagens ao vivo da superfície para determinar com precisão o melhor local para o pouso num raio de 600 metros.
Próximos passos
Uma vez que esteja em segurança no solo, o Perseverance pode começar sua missão. Os primeiros 30 “sóis” (um sol é um dia de Marte e equivale a 23 horas, 39 minutos e 40 segundos) em Marte serão usados para testes e avaliações iniciais, incluindo verificações dos instrumentos científicos e test drives curtos.
Os 30 sóis seguintes serão usados para voos de teste do helicóptero Ingenuity. Em seguida, as operações de superfície do rover podem começar.
Além de câmeras, radares e outros instrumentos, o rover está equipado com uma furadeira para coletar amostras de até 6cm de comprimento, em rochas ou solo. Elas serão analisadas imediatamente em busca de sinais de vida, ou armazenadas em algum dos 38 tubos de metal para posterior retorno aos laboratórios na Terra.
Este retorno será uma etapa fundamental na exploração de Marte, pois análises muito mais detalhadas podem ser feitas nos laboratórios na Terra. Além do mais, ao contrário dos meteoritos de Marte que já temos, conheceremos o contexto detalhado no qual as amostras foram coletadas.
Também estamos ansiosos para o lançamento do rover Rosalind Franklin (a missão chama-se ExoMars 2022) que ocorrerá na próxima janela de lançamento, atualmente programado para acontecer em 21 de setembro de 2022 e com pouso previsto para 10 de junho de 2023.
Vamos monitorar de perto o pouso do Perseverance, já que também usaremos uma capsula para a descida, junto com dois paraquedas e uma plataforma de pouso acionada por retrofoguetes chamada Kazochok. Um dos paraquedas tem 35 m de diâmetro, o que o torna o maior já enviado a Marte.
O Rosalind Franklin será o primeiro rover a perfurar até dois metros sob a dura e gelada superfície marciana, que é constantemente bombardeada por radiação nociva, para recuperar amostras do subsolo. Se houver vida em Marte, é mais provável que esteja abaixo da superfície.
O rover visitará um local com evidências de água no passado que são ainda mais antigas, Oxia Planum. Essas amostras do subsolo serão analisadas no rover, e os resultados transmitidos por rádio para a Terra.
Alguns de nossos membros da equipe PanCam, e outros cientistas da missão ExoMars, também participarão das missões Perseverance e Hope, e temos a sorte de ter a oportunidade de aprender antecipadamente com elas tudo o que for possível, tanto em termos de operações de uma missão em outro planeta quanto de Ciência.
A busca pela vida passada em Marte, ou mesmo presente, está começando de verdade, e é um empreendimento verdadeiramente internacional.
Andrew Coates, Professor de Física, Diretor Adjunto (Sistema Solar) no Laboratório de Ciência Espacial Mullard, UCL.
Este artigo foi republicado de The Conversation. Leia o artigo original.