Da onde veio a água da Terra? Pode ter sido do Sol, sugere estudo
Água, H2O. A Terra possui mais dela do que qualquer outro planeta do Sistema Solar. Com 70% de sua superfície coberta pela substância, ela foi essencial para sustentar a vida como a conhecemos. Mas isso levou os cientistas a um questionamento: qual seria a origem de toda essa água? Para explicar isso, pesquisadores elaboraram uma nova teoria, que atribui parte de seu surgimento a uma fonte inusitada: o Sol. Mas não diretamente. Ela considera que considera os ventos solares, compostos em maioria por íons de hidrogênio, teriam provido o material que hoje compõem a água que envolve nosso planeta.
Segundo o estudo, publicado na revista Nature, cientistas da Universidade de Glasgow (Escócia) e do Centro de Tecnologia e Ciência Espacial da Universidade de de Curtin (SSTC, na sigla em inglês; Austrália) descobriram um processo pelo esse vento solar pode produzir água.
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O vento solar é a emissão de partículas provenientes da superfície do Sol, lançadas no espaço por sua atividade interna. Sua composição é igual a do próprio Sol: elétrons, prótons, mas também íons de hidrogênio usados para a fusão nuclear que mantém nossa estrela brilhando.
Esse vento pode viajar pelo espaço por longas distâncias, até atingir outros objetos. A descoberta dos cientistas foi que ele poderia entrar em contato com minúsculas partículas de poeira, presentes em asteroides no Sistema Solar. A reação dos íons de hidrogênio com o material do asteroide (que contém oxigênio), geraria nosso H20.
Dessa forma, os asteroides com as condições químicas adequadas teriam acumulado grandes quantidades da substância, e, segundo o artigo, a trouxeram para Terra em colisões no Sistema Solar primitivo.
As outras fontes da água da Terra
Naturalmente, o Sol não foi a primeira solução que os cientistas imaginaram quando estavam tentando resolver o mistério da água da Terra. “Uma teoria já existente é que essa água foi carregada até a Terra nos estágios finais de sua formação em asteroides tipo C (ricos em carbono),” afirma Phil Bland, diretor do SSTC e professor em Curtin.
Entretanto, segundo Bland, essa a “teoria da carona” não poderia explicar a origem de toda nossa água. “Testagem anterior da ‘impressão digital’ isotópica desses asteroides revelou que eles, na média, não correspondiam com a água encontrada na Terra. Assim, isso significa que havia pelo menos outra fonte ainda não considerada,” explicou ele.
A testagem isotópica é uma ferramenta útil para determinar se duas amostras de uma substância têm a mesma origem. Elementos químicos possuem mais uma versão de si mesmos: algumas mais leves e outras mais pesadas, dependendo das partículas em seu núcleo. O carbono, por exemplo, possui três isótopos: o mais comum, C-12 (com 6 prótons e 6 nêutrons), C-13 (7 nêutrons) e C-14 (8 nêutrons), mais raro e radioativo. Como os isótopos não mudam, cientistas podem analisar a proporção em que estão presentes em duas amostras — se elas tiverem a mesma origem, devem ter também a mesma distribuição isotópica.
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Dessa forma, através deste processo, a equipe de Blanch concluiu que a água dos asteroides tinha isótopos pesados em uma proporção maior do que a terrestre. Portanto, deveria haver outra fonte com isótopos mais leves, que complementou a água desses asteroides. “Nossas pesquisas sugerem que o vento solar criou água em pequenos grãos de poeira e essa versão isotopicamente mais leve providenciou o restante da água da Terra.”
Para obter a medição da amostra da água solar, os pesquisadores recorreram a um dos asteroides que a carregam. “Essa teoria do vento solar é baseada em uma análise meticulosa, átomo por átomo, de minúsculos fragmentos de um asteroide tipo S (rico em silício) próximo da Terra chamado de Itokawa. Suas amostras foram coletadas pela sonda espacial japonesa Hayabusa e enviados para Terra em 2010,” afirma Blanch.
Utilizando um sistema de sonda atômica por tomografia, sua equipe analisou os primeiros 50 nanômetros da superfície desta amostra. Assim, eles encontraram uma enorme quantidade de água, que, se escalada para uma amostra de 1 metro cúbico do material do Itokawa, teria 20 litros de água. E toda essa água provavelmente é feita de hidrogênio do vento solar. Então pense nisso a próxima vez que beber um copo d’água — você pode estar bebendo um pouquinho do Sol.
Astronautas vão beber água solar?
O Dr. Luke Daly, da Universidade de Glasgow, explica que a pesquisa não ajuda somente a entender as origens de nossa água, como também pode se provar útil em missões espaciais. “A maneira como astronautas obteriam água suficiente sem carregar suprimentos é uma das barreiras da futura exploração espacial,” diz ele.
O vento solar se espalha por todo Sistema Solar. Isso significa que futuros exploradores poderão aproveitar dessa água a milhões de quilômetros do planeta azul? Segundo Daly, se as condições químicas forem favoráveis, a resposta é sim. “Nossa pesquisa mostra que o mesmo desgaste espacial que criou água em Itokawa provavelmente ocorreu em planetas sem atmosfera. Assim, isso significa que astronautas talvez possam processar suprimentos novos de água direto do pó na superfície de um planeta, talvez até da Lua.”
Publicado em 29/11/2021.