Crânio infantil de ancestral humano é encontrado em caverna
Distante de qualquer saída e completamente envolto na escuridão, um crânio de uma criança de um dos primeiros ancestrais humanos, o Homo naledi, foi encontrado. Os restos mortais estavam em um local estreito e de difícil acesso, na complexa teia de passagens da caverna Rising Star, localizada a 50 km de Joanesburgo, África do Sul.
A espécie à qual o crânio pertence, H. naledi, foi descoberta no mesmo sistema de cavernas, em 2015. Desde então, tem gerado muitas discussões na antropologia. Ela mistura características de hominídeos primitivos — como o Homo erectus — com as de nossos ancestrais não humanos, os Australopithecus, gerando dificuldades na classificação.
Além disso, a datação dos H. naledi — que viveu entre 335 e 241 mil anos atrás, na África — também impacta a discussão da evolução humana. “É claramente uma espécie primitiva, que existiu em um período em que pensávamos que havia apenas humanos modernos na África,” afirma explica Lee Berger, diretor do Centro para Exploração da Jornada Humana da Universidade de Witwatersrand (África do Sul) e explorador da National Geographic Society. “Apenas sua presença naquele período e lugar já complexifica nosso entendimento de quem fez o quê quando se refere à invenção de ferramentas complexas de pedra e até práticas rituais,” afirma o líder do estudo.
A descoberta mais recente foi feita por uma equipe internacional de pesquisadores de 14 universidades em 2017, mas foi apresentada para o público agora. Suas conclusões foram publicadas em dois artigos na revista PaleoAnthropology, um discutia o crânio em si enquanto o outro focava no local em que foi encontrado e seu contexto arqueológico.
As características do crânio
Segundo os artigos, a criança tinha entre quatro e seis anos de idade quando morreu, o que torna seus restos mortais extremamente raros, já que esqueletos infantis são especialmente frágeis. Somente 28 fragmentos do crânio e seis dentes foram encontrados — sem nenhuma outra parte do corpo. “Ter fragmentos de crânio associados com dentes do mesmo indivíduo é extremamente importante para entender o crescimento e desenvolvimento desta espécie,” afirma Christopher Walker, especialista nesta análise.
Após a reconstituição, foi possível identificar os orbitas frontais, um pouco do topo do crânio e o maxilar superior; mais do que o suficiente para que os cientistas estudem o espécime.
“Enquanto estávamos reconstituindo a caveira, não havia nenhuma parte repetida e muitos dos fragmentos se encaixavam, o que indica que todos vieram de uma mesma criança,” explicou Darryl de Ruiter. Ele é paleoantropólogo co-autor do estudo, e já estudou crânios adultos de H. naledi.
Dessa forma, a equipe concluiu a partir da reconstituição que o volume do crânio está entre 480 e 610 cm³. A medida, segundo Debra Bolter, co-autora do estudo e especialista em crescimento, “estaria entre 90% e 95% da capacidade cerebral dos adultos“. Isso, por sua vez, indica que a espécie não possuía o desenvolvimento encefálico associado a humanos mais modernos.
Leti, a perdida
Durante os trabalhos, a equipe apelidou a criança de “Leti”, a partir da palavra letimela, que significa “a perdida” na língua tswana local. E o nome não é à toa: ela foi encontrada em uma passagem de 15 cm de largura por 80 cm de comprimento. “Este foi um dos locais com restos de hominídeos mais difíceis que tivemos de alcançar no sistema Rising Star,” pontuou Marina Elliott, líder dos exploradores que trouxeram os fragmentos à superfície. Ela também fez parte de outras missões nesse sistema de cavernas, que encontraram os primeiros H. naledi.
O local ao qual Elliott se refere fica a aproximadamente 12 metros da Câmara Dinaledi. No interior desta, foram encontrados muitos outros esqueletos da mesma espécie — todos de adultos. O arranjo e quantidade dos esqueletos levou a equipe a concluir que eles provavelmente foram sepultados ali. Isso contradiz teorias a respeito da evolução humana, já que se acreditava que somente humanos modernos fossem capazes de realizar esse tipo de ritual — tornando o sistema de caverna famoso internacionalmente.
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De fato, a caverna Rising Star já é um sítio arqueológico conhecido. Explorada desde 2013, nela já foram encontrados cerca de 2000 fragmentos de esqueletos da espécie. Hoje os trabalhos continuam, e a equipe de pesquisadores busca entender se aquele realmente foi ou não um “cemitério” para os H. naledi.
Outro mistério diz respeito a como o crânio foi parar em um local tão inacessível. “A descoberta de apenas uma caveira de criança, em um local tão remoto dentro do sistema de cavernas adiciona ao mistério de como esses restos mortais vieram para a distante e escura caverna Rising Star,” afirma Berger. Não havia marcas de predadores ou sinais que os restos foram levados pelo fluxo de água até sua parada final. Dessa forma, só resta a possibilidade de que outros membros da espécie levaram Leti até lá. “É só mais um enigma entre os muitos que cercam esse fascinante parente humano extinto.”
Publicado em 12/11/2021.