Corridas de touros revelam como multidões em pânico se movimentam
Uma das últimas coisas que um pedestre quer ver é um touro desembestado em ataque. No entanto, todos os anos, em julho, milhares de pessoas entopem por livre e espontânea vontade as ruelas de Pamplona, na Espanha, para correr lado a lado com seis enfurecidos touros bravos, de touradas. Embora o percurso inteiro só tenha 800 metros, a maioria dos corredores não consegue completá-lo devido à multidão e à velocidade dos animais. Esses bovinos chegam a seis metros por segundo, em média.
A tradição tem sido criticada como imprudente e cruel, e é cada vez mais controversa. Mas, para alguns pesquisadores, essas corridas constituem um estudo de caso de como multidões respondem a perigos — um cenário difícil de replicar em pesquisas. “Você não pode colocar pessoas em perigo real para ver o que acontece”, observa Daniel Parisi, que estuda dinâmica de pedestres no Instituto de Tecnologia de Buenos Aires. Mas em Pamplona, acrescenta ele, as próprias pessoas se colocam em risco.
Para “mensurar” a resposta coletiva aos animais, Parisi e seus colegas analisaram duas dessas corridas em 2019. Eles instalaram câmeras ao longo da famosa Rua Estafeta, onde o percurso se estreita como um funil, e monitoraram os movimentos dos corredores e dos touros.
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Suas descobertas, publicadas em Proceedings of the National Academy of Sciences USA, desafiam um princípio fundamental da dinâmica de pedestres: o de que pessoas desaceleram quando a densidade da multidão é maior. Como carros que avançam lentamente em engarrafamentos, pedestres em geral reduzem sua velocidade para evitar esbarrar nos outros. Mas um touro de 600 kg em plena investida inverte essa relação. Os corredores de Pamplona aceleraram enquanto se acotovelavam para acompanhar o ritmo dos animais e escapar de seus chifres. “Eles querem correr à velocidade máxima, não importa como”, explica Parisi.
Mas esses corredores só podem se mover a uma determinada velocidade. À medida que os bovinos fazem com que a velocidade e a densidade aumentem, os corredores mais velozes são mais propensos a se embolar e cair ao chão. No passado, quedas provocaram amontoamentos que deixaram feridos e até mortos.
Touros raramente disparam por distritos comerciais, mas Parisi espera que os resultados propiciem um entendimento de como multidões reagem a outras situações perigosas. Alethea Barbaro, pesquisadora na Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, não envolvida no estudo, concorda que as descobertas têm aplicações reais. Barbaro, que já modelou diversos fenômenos tumultuados, sugere que os dados de Pamplona poderiam calibrar modelos de multidões e auxiliar em designs arquitetônicos e no planejamento de evacuações de desastres. Além disso, acrescenta ela, “tais modelos produziriam insights nas equipes de resposta a emergências com potencial de evitar tragédias associadas a multidões”.
Jack Tamisiea
Publicado originalmente na edição de abril da Scientific American Brasil; aqui em 18/05/2022.