Corrente oceânica no Atlântico Norte atinge ponto mais fraco nos últimos 1.000 anos
Uma corrente oceânica gigante, que transporta calor ao redor do globo e ajuda a regular padrões climáticos por todo o Atlântico Norte, parece estar desacelerando. De fato, pesquisas recentes revelaram que ela atualmente está no seu ponto mais fraco dos últimos 1.000 anos. A grande pergunta é: são as mudanças climáticas gerando a desaceleração? Ou é apenas uma variação natural? Por enquanto, cientistas afirmam que é provavelmente um pouco dos dois.
Um novo estudo, publicado na segunda (25/04) no Nature Climate Change, conclui que a corrente está realmente ficando mais lenta, e que as mudanças climáticas provavelmente têm uma contribuição, ainda que pequena. Mas o comportamento atual ainda está dentro dos parâmetros de sua variação natural.
Em outras palavras, a influência das mudanças climáticas ainda não forçou a corrente oceânica para fora dos limites históricos de seu comportamento “normal”. A influência da variação natural “basicamente sobrepõe” o causado pelo aquecimento antropogênico, de acordo com Mojib Latif, autor principal do estudo e cientistas no GEOMAR – Centro Helmholtz de Pesquisa Oceânica, em Kiel, Alemanha.
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Ainda assim, é provável que isso mude no futuro. Modelos climáticos indicam que o aquecimento global antropogênico deve fazer a corrente oceânica ficar mais lenta ao longo do tempo. Se o mundo continuar a ficar mais quente, o comportamento da corrente eventualmente deve escapar para fora dos limites da variação natural e cair em um novo território.
O quão rápido esse processo irá ocorrer – e o quão intensa será a desaceleração – ainda é um assunto em debate científico. Mas é uma questão importante.
Oficialmente chamada de Circulação Meridional de Capotamento do Atlântico, ou AMOC, na sigla em inglês, a corrente oceânica carrega calor entre o equador e o Ártico como uma enorme esteira líquida. Como resultado, é em grande parte responsável para as condições climáticas amenas que tantos moradores da região do Atlântico Norte apreciam, incluindo europeus e estadunidenses da costa leste.
Se a corrente continuar sua desaceleração, padrões climáticos por todas as latitudes médias sofrerão interferência. Algumas partes do Atlântico Norte podem ficar mais geladas, enquanto áreas mais ao sul na costa leste dos EUA podem ficar mais quentes. De fato, alguns dados sugerem que esses processos já iniciaram.
Múltiplos estudos em anos recentes deixaram claro que a AMOC está ficando mais lenta. Algumas pesquisas sugerem que ela estaria enfraquecendo pelos últimos 150 anos.
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Mesmo assim, as melhores e mais diretas medições do fluxo da AMOC vêm dos últimos 20 anos, aproximadamente, quando cientistas começaram a instalar extensas redes de sensores oceânicos especiais pela região. Isso dificulta o trabalho de comparar a AMOC de hoje com seu comportamento no passado – o que significa que também é difícil determinar se as desacelerações atuais fazem parte do seu padrão natural.
Cientistas encontraram várias maneiras de lidar com este problema. Alguns estudos usaram amostras de sedimentos há muito tempo enterradas, extraídos do leito oceânico. Essas amostras contém informações químicas sobre as condições dos oceanos de centenas de anos atrás.
O novo estudo usa registros da temperatura da superfície do oceano no Atlântico que se estendem até 1900. Como mudanças no fluxo da AMOC afetam as temperaturas do oceano de diferentes maneiras de acordo com a região, esses registros ajudam cientistas a avaliar como a corrente mudou ao longo do tempo.
Eles também conectaram sua análise histórica com simulações para modelos climáticos, que os ajudaram a investigar as causas por trás das mudanças na AMOC.O estudo sugere que existe, de fato, uma influência do aquecimento global antropogênico. As mudanças climáticas realizam algum papel no comportamento da AMOC. É “um tipo de impressão digital” do aquecimento causado por humanos, de acordo com Latif.
Mas a influência da variação natural ainda é mais forte. A AMOC tem uma tendência de variar ao longo do tempo, e seu comportamento atual ainda está dentro dos limites.
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Isso não significa que a corrente não está desacelerando ou que o aquecimento global não possui alguma influência, mencionou Latif. A corrente oceânica está realmente ficando mais lenta. Mesmo que não escape dos padrões, a influência das mudanças climáticas está ficando cada vez mais forte, o tempo todo no plano de fundo.
“Conforme gases do efeito estufa continuam a se acumular na atmosfera, todos os modelos preveem uma grande desaceleração da circulação”, explica ele. É uma questão de tempo até que a influência se torne a força dominante agindo sobre a corrente. Se não hoje, então será em algum momento futuro se o planeta continuar a aquecer.
As descobertas do estudo são “totalmente consistentes” com outras pesquisa recentes no comportamento da AMOC, afirma Stefan Rahmstorf, especialista em oceano no Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático, na Alemanha, em um email à reportagem. Rahmstorf não estava envolvido com o estudo, mas já publicou diversos artigos importantes sobre o tema nos últimos anos.
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Ele destacou que há amplas evidências de ao menos alguma influência do aquecimento antropogênico. Isso inclui a “impressão digital” das mudanças climáticas observada em um novo artigo neste semana; o fato que modelos climáticos preveem uma desaceleração em resposta a emissões de gases do efeito estufa; e a tendência na qual a desaceleração recente parece ser a mais extrema no último milênio.
O estudo também destaca a importância de monitoramento direto no Atlântico, aponta Latif. Sensores oceânicos não são baratos para instalar ou manter funcionando, e eles precisam de financiamento contínuo. Mas eles são a melhor maneira para que cientistas se mantenham atualizados sobre o que está realmente acontecendo no AMOC ao longo do tempo. “Tudo isso precisa ser mantido”, afirma Latif. “Isso é o mais importante.”
Chelsea Harvey
Republicado da E&E News com permissão da POLITICO, LLC. © 2022. A E&E News provém notícias essenciais para profissionais da energia e ambiente.
Publicado originalmente na Scientific American dos EUA em 27/04/2022; aqui em 29/04/2022.
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