Conheça os foguetes revolucionários da NASA e da SpaceX que serão usados em novas missões
Astrônomos soltaram um suspiro de alívio quando o Telescópio Espacial James Webb (JWST) deu sinais de vida. Fazer o telescópio de 10 bilhões de dólares em pleno funcionamento após seu lançamento no Natal de 2021 foi uma tarefa de roer as unhas. O JWST não se encaixaria em nenhum foguete atual sem ser dobrado, e dependeu de centenas de partes móveis para de desdobrar no espaço de volta ao seu tamanho original. Em última instância, esses esforços foram bem-sucedidos, e o telescópio começou a retornar algumas de suas primeiras imagens de calibração para um público animado na Terra.
Ainda assim, a experiência deixou muitos astrônomos pensando se havia uma maneira mais simples de construir e lançar telescópios deste tamanho. “Estamos preocupados com o desdobramento”, afirma John Blevins, do Centro de Voos Espaciais Marshall, NASA. Mas com um foguete maior, “não precisamos desdobrar no espaço. Podemos fazer isso no chão”.
Não por coincidência, dois foguetes desse tipo estão descansando em suas plataformas de lançamento. Cada um deve exceder o poderoso Saturno V, que enviou os astronautas da missão Apolo para a Lua. O primeiro deles, o Sistema de Lançamento Espacial (SLS, em inglês), da NASA, está pronto e em espera no Centro Espacial Kennedy, na Flórida (EUA), para sua jornada inaugural ao redor da Lua neste verão, como parte da missão Ártemis I – o número de abertura no plano da NASA para retornar humanos para superfície lunar nos anos 2020.
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O foguete é projetado para ser o mais confiável possível e, portanto, é baseado, em grande parte, nas estruturas do programa do Ônibus Espacial da NASA. Mas uma dependência em tecnologias já testadas poderia ser seu calcanhar de Aquiles: algumas estimativas colocam o custo do SLS em 4,1 bilhões de dólares por lançamento. Presumindo que ele não seja afundado pelos apoiadores no Congresso sentindo remorso de comprador, seu tamanho gigantesco pode, em última instância, ser uma bênção para cientistas que buscam enviar sondas espaciais e telescópios mais ambiciosos pelo Sistema Solar – e até para mais longe.
No Texas (EUA), Starship, um foguete muito diferente, mas com capacidades similares está sendo desenvolvido pela SpaceX. Ele também está em preparação para lançar no seu primeiro teste orbital em maio, dependendo da aprovação regulatória da Administração Federal de Aviação (EUA).
O custo do SLS parece tão exorbitante pois cada foguete de bilhões de dólares será descartado depois de um único uso, seus componentes abandonados como lixo no fundo do oceano ou à deriva no espaço. Esse foi o padrão pela maior parte da era espacial, mas os tempos estão mudando.
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Ao invés disso, Starship e seu booster Ultra Pesado são construídos pensando na durabilidade, pousando de volta na superfície para um rápido reuso, similar a atual frota de foguetes Falcon da SpaceX, que diminuiu dramaticamente o custo de atingir o espaço. Por maior e mais ousado que o SLS pode ser, especialistas afirmam que ele não se compara com o que o Starship pode atingir. “O Starship promete transformar o Sistema Solar de uma forma que ainda não compreendemos”, afirma Alan Stern, do Instituto de Pesquisa do Sudoeste, no Texas, que conduz a missão New Horizons da NASA, que passou pelo planeta anão Plutão em 2015. “Ele muda o cenário completamente.”
O compartimento de carga de qualquer um dos foguetes é espaçoso o suficiente para levar bagagens do mesmo tamanho ou até maiores que o JWST, tudo sem a necessidade de dobrar componentes no origami mais caro do Universo. E ambos os sistemas de lançamento terão um impulso grande o suficiente para atingir os cantos remotos do Sistema Solar em tempos de viagem mais curtos e com sondas maiores quando comparados a foguetes menores.
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No entanto, apenas o Starship é projetado para ser reabastecido no espaço, o que significa que ele poderia transportar cargas de tamanhos descomunais para locais distantes como Júpiter ou Saturno – ou praticamente qualquer outro lugar ao redor do Sol.
Enquanto essa nova era de super foguetes começa, cientistas entusiasmados lutam para fazer parte. “Esses foguetes permitiram uma nova classe inteiramente nova de missões – para todos os planetas gigantes e objetos no Cinturão de Kuiper, para luas de oceanos congelados e para os planetas anões do Sistema Solar”, afirma Stern. “Eles são úteis em vários aspectos.” Agora muitos estão ocupados desenvolvendo ideias para o que pode ser possível, no momento focando mais no SLS devido a sua maior maturidade, mas mantendo um olho atento no Starship e suas capacidades potencialmente revolucionárias.
O Sistema de Lançamento da Ciência?
Depois de seu lançamento inicial para Lua, afirma a NASA em comunicados oficiais, o SLS será usado primeiramente para lançar a sonda Orion da agência, com uma tripulação a bordo. Esses lançamentos funcionarão em conjunto com os lançamentos da Starship contratados pela NASA, que vão trabalhar para aterrissar a tripulação do Ártemis na Lua em 2025 – e talvez um dia o foguete possa ser usado para enviar astronautas à superfície de Marte.
“Esperamos aproximadamente um pouso humano por ano durante mais ou menos uma década”, afirmou o administrador da NASA Bill Nelson em uma conferência em 23 de março. Dessa forma, é provável que nenhum foguete SLS esteja disponível para lançar qualquer tipo de telescópio ou sonda científica antes dos anos 2030. “Dada a demanda do programa Ártemis entre agora e o final dos anos 2020, será muito difícil encaixar uma missão científica nesse cronograma”, afirma Robert Stough, gerente do uso do compartimento de carga do SLS no Centro de Voos Espaciais Marshall, em um informe no ano passado.
Consequentemente, em 2021, a NASA alterou o planejamento do lançamento de sua missão principal para Júpiter, a Europa Clipper, do SLS para o foguete Falcon Heavy da SpaceX. Ainda assim, funcionários da agência estão otimistas que os custos exorbitantes do SLS e seu ritmo lento de lançamento possam ser melhorados, criando mais oportunidades para missões científicas. Nesse informe, Stough estimou que um alvo de 800 milhões de dólares ou menos era um alvo atingível nos anos 2030.
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De acordo com um artigo apresentado no Instituto Americano de Aeronáutica e Astronáutica (AIAA, em inglês), em novembro de 2020, a configuração final e mais poderosa planejada para o SLS poderia ser supercarregada com a adição de um novo estágio que aumentaria a propulsão no topo do foguete. Uma melhoria desse tipo permitiria ao SLS enviar 16 toneladas para Júpiter, cerca de 6 toneladas para Netuno e uma tonelada para o espaço interestelar. Comparando com a missão New Horizons para Plutão, tinha a massa de meia tonelada. “Não há nenhum foguete atualmente que pode carregar esses pesos, nem perto”, afirma Blevins, engenheiro chefe do SLS no Centro Marshall.
Em 19 de abril, a Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina (EUA) divulgará sua muito esperada Sondagem Decenal de Ciência Planetária e Astrobiologia, que irá fazer recomendações sobre as prioridades científicas da NASA nos anos 2030. Como parte da sondagem, a NASA encomendou estudos sobre conceitos de missão que a agência pode considerar como alvos na periferia do Sistema Solar. Três delas sugeriram usar o SLS para permitir missões mais velozes e robustas: um sonda orbital para Plutão, uma orbital e de pouso para a lua de Saturno Encélado, e uma sonda orbital e atmosférica para Netuno.
“Queríamos usar tecnologias existentes ou que estarão prontas no futuro próximo”, afirma Kirby Runyon do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins (JHUAPL, em inglês; EUA), e membro da proposta de missão para Netuno. “O SLS está mais adiante em seu projeto e maturação que qualquer outro grande veículo espacial.”
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A proposta do grupo de Runyon, Odisséia de Netuno, seria lançada em 2031 em um foguete SLS para entrar em órbita ao redor do planeta nos anos 2040. A missão permitiria insights sem precedentes em um planeta que foi visitado apenas um vez, uma rápida passagem da sonda Voyager 2 em 1989 durante sua jornada para fora do Sistema Solar. Odisséia iria estudar Netuno e sua maior lua Tritão durante quatro anos enquanto também lançaria uma sonda na atmosfera tempestuosa do planeta. Foguetes um pouco menores, como o Falcon Heavy também poderia levar Odisséia para Netuno, mas somente através de muitos módulos adicionais, que aumentariam o preço da missão e sua complexidade – e reduziram sua tolerância para erros. Essa abordagem “é definitivamente mais arriscada”, adiciona Runyon.
Enquanto isso, o orbitador-pousador Encélado seria uma missão para procurar por sinais de vida no oceano da lua de Saturno, que está ejetando plumas de vapor d’água e moléculas orgânicas pelas rachaduras na sua crosta congelada. A sonda poderia voar pelas plumas e coletar amostras antes de pousar na superfície da lua para realizar estudos no sítio. O SLS, novamente, deixa uma missão como essa mais fácil do que seria com um foguete menor, que requeriria impulsos gravitacionais ao se aproximar de planetas no Sistema Solar interno.
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“Isso significa que não precisamos projetar a sonda para sobreviver tanto às condições quentes do Sistema Solar interno e às condições congelantes de Saturno”, afirma Shannon MacKenzie, líder conceitual no JHUAPL.Até o SLS tem suas limitações, no entanto. Assumindo um lançamento em 2031, o foguete gigante ainda levaria quase três décadas para levar o orbitador proposto, chamado de Perséfone, até Plutão. E, apesar de seu tamanho, o SLS ainda é limitado por não poder ser reabastecido na órbita para ampliar sua capacidade de carga uma vez no espaço. Nos sonhos mais audaciosos de exploração cósmica, cientistas têm olhos para apenas um foguet: o Starship. “O Starship não é apenas uma mudança incremental”, afirma Jennifer Heldmann, do Centro de Pesquisa Ames, da NASA. “É uma mudança de paradigma significativa.”
Jonathan O’Callaghan
Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 12/04/2022; aqui em 14/04/2022.