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Conheça Jane Rigby, a cientista que faz o JWST funcionar

Jane Rigby, cientista do projeto de operações do Telescópio Espacial James Webb (JWST), discute como a Nasa planeja extrair o máximo de ciência possível de seu novo observatório de US$ 10 bilhões.
JWST

A Dra. Jane Rigby é astrofísica do Centro de Voos Espaciais Goddard, da Nasa, em Greenbelt, Maryland. Ela trabalha como cientista do projeto de operações da agência do Telescópio Espacial James Webb (JWST). Crédito: Nasa/David P. Friedlander

“Dê-me um telescópio e eu posso inventar algo bom para fazer com ele”, diz Jane Rigby, astrofísica do Centro de Voos Espaciais Goddard, da Nasa, que atua como cientista do projeto de operações da agência para o Telescópio Espacial James Webb (JWST, na sigla em Inglês), de US$ 10 bilhões, o maior e mais poderoso observatório fora do planeta já construído pela humanidade. Ao longo de sua carreira, Rigby usou muitas das principais instalações astronômicas terrestres e espaciais do mundo — e ela está liderando uma das muitas campanhas de “ciência de lançamento inicial” do JWST antecipadas para seu primeiro ano de observações, utilizando o telescópio para estudar a formação de estrelas em galáxias através das eras.

Mas seu principal trabalho com o JWST é com sua equipe, visando garantir que todos os afortunados o suficiente para usá-lo possam fazer “algo de bom”, cuidando de toda a gama de investigações científicas que o telescópio realizará para pesquisadores de todo o mundo durante sua missão primária planejada para cinco anos. Esta não é uma tarefa fácil: para aqueles que esperam extrair o máximo de ciência possível deste observatório único, cada momento do tempo do Webb é precioso — e Rigby supervisiona a programação.

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Desde que o JWST foi lançado no dia de Natal de 2021, ela e seus colegas trabalham sem parar para preparar o observatório para fazer descobertas inovadoras sobre as primeiras galáxias do universo, exoplanetas próximos e muito mais. Agora, com seus espelhos e instrumentos prontos e seu primeiro lote de imagens científicas estonteantes já divulgado, os estudos revolucionários do JWST estão prontos para realmente começar. A Scientific American conversou com Rigby sobre o trabalho em equipe necessário para operar o JWST, a longevidade incerta do observatório e a delicada tarefa de maximizar os retornos de um investimento de US$ 10 bilhões no maior e melhor telescópio do Universo conhecido.

Segue uma transcrição editada da entrevista, realizada antes da divulgação do já icônico primeiro lote de imagens do JWST.

As coisas estão boas para o JWST, não?

Estamos prestes a ver as primeiras imagens científicas do telescópio, seu desempenho superou as expectativas durante o comissionamento e sua viagem ao espaço profundo o deixou com propulsor excedente suficiente para continuar as operações na década de 2040 – muitos anos além de sua vida útil “nominal” da missão. É fantástico pensar que podemos obter tanto tempo “extra” dessa coisa que exigiu décadas de trabalho constante e diligente e US $10 bilhões, essa incrível instalação que pode, em alguns aspectos, ser o maior investimento já feito em astrofísica. Então, eu queria falar com você sobre como o projeto está protegendo esse investimento e como ele vai extrair até a última gota de  suco, por assim dizer.

As coisas estão ótimas, absolutamente. Este telescópio realmente não é apenas, tão bom quanto prometemos – em muitos aspectos, é melhor. E fico feliz em falar sobre todos os aspectos da produção desses sucos. Como todos os outros membros da equipe, estou animada para revelar as primeiras imagens científicas do JWST. Esta será a primeira vez que realmente retiramos algum “suco” e, a partir daí, todos podem julgar por si mesmos o quanto que ele é doce. Eu gosto dessa metáfora do “suco” – desde que não estejamos falando de esteroides.

Espera, mas o Webb não é um “Hubble com esteroides”? Desculpe a piada.

Seria preciso um monte de esteroides, na verdade. O Webb é cem vezes mais poderoso que os observatórios existentes.

Ah, ok. Então você é a cientista do projeto para operações. Isso significa que é você quem está fazendo todo o suco?

Bem, uma das coisas que um cientista de projeto faz é agir como a consciência da ciência. Este telescópio foi construído principalmente por engenheiros e gerentes, mas os cientistas também precisavam estar no circuito para garantir que ele pudesse fazer a ciência para a qual está sendo construído. Agora, como sou uma cientista do projeto de “operações”, isso significa que eu me preocupo sobre como vamos usar o telescópio — tudo, desde selecionar observações propostas até fazer cronogramas de observação, desde operar o telescópio até levar os dados de volta à Terra e remover todas as assinaturas instrumentais. O que for preciso para fazer a ciência.

Certo. Então, só para deixar claro, você é a cientista do projeto de operações, mas isso não significa que você escolhe para onde o JWST aponta ou quem pode usá-lo. 

Não há atalhos de redes de contatos nesse jogo. A maior parte do tempo de JWST é alocado por meio de uma revisão por pares muito competitiva. Para os programas dos Observadores Gerais do Ciclo 1, recrutamos um painel de 200 especialistas — tudo virtual por causa da COVID — para analisar e classificar mais de mil propostas de todo o mundo. Os melhores 25% das propostas foram selecionados. Isso é feito de forma duplamente anônima: os revisores não sabem quem escreveu as propostas e os proponentes não sabem quem as revisa. Queremos julgar pela qualidade das ideias.

Isso significa, por exemplo, que é possível que um autodidata de fora da academia consiga tempo no telescópio. Você pode morar em um país que não necessariamente gosta do nosso país, ou que não fez nada para ajudar a construir o telescópio, e na maioria dos casos você ainda pode usá-lo. É uma competição aberta porque queremos as melhores ideias.

Como você concilia todas essas “melhores” ideias para descobrir quais têm prioridade? Parece um trabalho difícil. 

Isso é como explicar a diferença entre construir um espremedor e realmente usá-lo para fazer suco, depois ver onde ele emperrou e consertá-lo.

Então, primeiro algumas noções básicas: o JWST pode apontar para qualquer lugar dentro de um terço do céu em qualquer dia. Essa restrição garante que o quebra-sol esteja sempre orientado para bloquear a luz da Terra, do Sol e da Lua. Esse campo de observabilidade ocorre de tal forma que o JWST pode ver 100% do céu ao longo de um ano. Sabendo disso, para qualquer alvo fixo (algum que não esteja zunindo ao redor do sistema solar), podemos calcular quais e quantos dias por ano o Webb pode vê-lo. Alvos no plano do nosso Sistema Solar estão disponíveis por cerca de 60 dias por ano. Já os alvos fora do plano (apontando direto aos polos norte ou sul do nosso Sistema Solar) estão disponíveis durante todo o ano. Alvos em latitudes eclípticas intermediárias ficam entre esses extremos.

Alguns alvos nós precisamos observar em momentos determinados. Como exoplanetas em certos pontos em órbita ao redor de suas estrelas, ou uma estrela explodindo, ou algum outro fenômeno que depende de um ciclo temporal.

Há também uma questão de quão escuro está o céu. Para alguns alvos e comprimentos de onda, importa muito se você está olhando através de poeira quente em direção ao Sol ou poeira mais fria no Sistema Solar. Assim, para um determinado alvo, a escuridão do céu para observá-lo varia sazonalmente. Para algumas observações, nós realmente não nos importamos. Mas se estamos olhando para coisas com brilho fraco, queremos agendar para quando o céu de fundo estiver o mais escuro possível.

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Também não queremos que o telescópio fique ocioso. E precisamos trazer os dados de volta à Terra. Ele se comunica com a Terra cerca de um terço do tempo durante as operações científicas normais, com uma antena suspensa que podemos apontar enquanto observamos. A taxa de dados não é ruim — cerca de 30 megabits por segundo — mas é mais lenta que um modem a cabo e há 57 megapixels de memória nos instrumentos do JWST. Gerenciamos isso pedindo aos usuários que não sejam devoradores de dados e que façam muita compactação.

Agendamos o telescópio otimizando todas essas restrições, para gerar uma família de soluções aceitáveis. Fazemos um plano de longo prazo, no qual, para cada observação, atribuímos talvez um intervalo de tempo de um mês para onde é provável que ela ocorra. E então, a cada sete a 10 dias, faremos um cronograma detalhado para aquela semana — a ordem de apontamentos, por assim dizer. Esse processo é adaptado do Hubble, que também possui muitas restrições, embora as do JWST sejam bem diferentes das do Hubble.

Por exemplo?

Em primeiro lugar, para o Hubble, a Terra está na frente metade do tempo. O Hubble usa esse tempo para girar para o próximo alvo e se preparar. O JWST não tem esse problema, pois está no espaço profundo. Isso significa que ele não pode esconder suas rotações atrás da Terra como o Hubble. O JWST é um telescópio grande, por isso gira mais devagar que o ponteiro dos minutos de um relógio. Então, se você quiser girá-lo 180 graus, isso leva mais de uma hora. Assim, para usar a linguagem cotidiana, o agendamento é o problema clássico do “caixeiro viajante” — como você otimiza um monte de “paradas” diferentes para formar uma rota? Conectamos várias visitas que estão próximas no céu para evitar mudanças muito grandes e demoradas.

Há outra diferença entre o JWST e o Hubble, que é importante para agendar e manusear o telescópio, que é o acúmulo de impulso (momentum). Acontece que o fato de os fótons carregarem momentum define um limite para a vida útil do telescópio. Porque o propulsor é uma das principais restrições na vida útil do JWST, e o gerenciamento de momentum é um dos principais usos do seu propulsor.

Você poderia descomplicar isso para nós um pouco? 

Os fótons que atingem o protetor solar de JWST aplicam um torque. Agora, poderíamos orientar o quebra-sol para cancelar os torques — mas queremos apontar o telescópio para alvos, não ficar com o escudo solar perfeitamente equilibrado com a luz do sol. Assim, os fótons atingem o quebra-sol, aplicam torque e os mecanismos de reação do Webb o fazem girar para neutralizar esse efeito e manter o telescópio apontado para o alvo. Mas os giros de reação só podem ocorrer a uma dada velocidade.

Ocasionalmente, nós precisamos compensar seu momento angular. Na órbita baixa da Terra, o Hubble apenas acopla os giros de reação ao campo magnético da Terra para desacelerar. Isso não funciona no espaço profundo, então o James Webb dispara propulsores para empurrar contra o giro de reação. Fazemos esses disparos de impulso periodicamente, cada vez usando um pouco o propulsor. Mas, como você mencionou, neste estágio temos propulsor suficiente para entrar na década de 2040, então a longevidade do JWST provavelmente será limitada pela duração dos componentes…. Honestamente, porém, parece estranho estar planejando os dias de lar de idosos deste telescópio quando ele ainda é um recém-nascido apenas abrindo os olhos!

Você pode não gostar desta próxima pergunta, então: Supondo que todo o resto permaneça perfeito e o propulsor inevitavelmente se esgote, como o James Webb morrerá?

Uau, então estamos realmente falando sobre a morte dessa coisa. Eu quase não quero falar sobre isso; parece prematuro, porque é um telescópio novinho em folha. É como falar sobre a morte de um bebê. Se estamos falando de ser limitado ao propelente, uma vez que esse recurso se esgote, não poderemos controlar o apontamento para garantir que os painéis solares sempre vejam o Sol e o telescópio nunca o veja. Eventualmente, os painéis solares ficariam na sombra por tempo suficiente para que a recuperação fosse improvável. Acho que seria como o último suspiro. Assim saberíamos que está realmente morto. Mas, novamente, é difícil saber exatamente o que acontecerá com ele em seus anos de crepúsculo, já que é um recém-nascido.

Já fomos surpreendidos, por exemplo, por um impacto de micrometeoróide que teve um efeito maior do que o esperado em um dos segmentos do espelho primário, e estamos estudando ativamente o que esses eventos podem significar para o desempenho óptico contínuo do telescópio. Micrometeoróides são um fato da vida em órbita que gradualmente poderá degradar a qualidade dos espelhos e da proteção solar — e nós projetamos e construímos margens de tolerância com isso em mente — mas este era um evento para ocorrer a cada cinco anos, e nós acabamos dando azar, ou vamos receber mais choques como esse do que esperávamos? Estamos trabalhando para descobrir isso. Ainda estou planejando uma missão longa e frutífera, é claro.

De fato. Sabe, parece que você e outras pessoas que trabalham no JWST, compreensivelmente, formaram uma ligação emocional com ele. Isso tornou mais desafiador navegar por todos os vários momentos decisivos no pouco tempo em que ele está ativo? 

Bem, os sentimentos mudam para cada fase do comissionamento do JWST. Durante o lançamento e nas primeiras semanas seguintes, quando estávamos fazendo grandes avanços, houve vários dias importantes em que sabíamos que poderíamos perder a missão. Estávamos encarando isso de frente; A Nasa até fez aquele vídeo chamado “29 Days on the Edge” (29 dias de tensão). Tentei abordar aqueles dias com fatalismo: “Se não der certo, não temos uma missão”. À medida que uma implantação após a outra funcionava, percebi que estava passando pelos estágios do luto. Basicamente eu ficava barganhando: “Ah, vamos, por favor, basta tirar o espelho secundário, eu nem preciso do espelho primário para abrir suas duas asas!”

Por que o espelho secundário?

A palavra “secundário” faz parecer que não é tão importante ou um backup. Mas em um telescópio, secundário significa apenas que a luz o atinge em segundo lugar, depois do primário. O espelho primário do JWST é icônico e muito maior. Mas esse secundário de 0,7 metro é absolutamente crítico. Se a implantação do espelho secundário não tivesse funcionado, a luz refletida naquele lindo espelho primário voaria para o espaço, perdida para sempre, em vez de ser coletada em um instrumento científico. Mesmo que o espelho primário não estivesse totalmente desdobrado, se ainda tivéssemos esse espelho secundário, teríamos um telescópio funcionando, apesar de degradado. Então, quando o espelho secundário foi perfeitamente implantado, percebi quanta preocupação eu estava carregando, depois de trabalhar nisso nos últimos 11 anos — e muitos dos meus colegas trabalharam nisso por mais tempo ainda.

Felizmente, terminamos esses momentos decisivos, bem como a fase de “comissionamento” de coreografia e testes intensos. O telescópio esfriou até a temperatura alvo, a ótica está alinhada, os instrumentos científicos estão prontos. Estamos conhecendo o verdadeiro desempenho do telescópio no espaço e, com as primeiras imagens científicas, mostraremos não apenas que o JWST está funcionando, mas que é totalmente capaz de fazer toda a ciência incrível para a qual foi construído. É uma sensação maravilhosa.

 Lee Billings

Lee Billings é editor sênior para espaço e física na Scientific American.

Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 11/07/2022; aqui em 14/07/2022.

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