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Computador quântico da Google bate recorde ao simular reação química

Feito foi saudado como importante marco para que os novos computadores possam ser aproveitados na resolução de problemas mais amplos

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Quando, há alguns meses, pesquisadores d Google anunciaram haver  alcançado  a “supremacia quântica” — um estágio  no qual um computador quântico pode realizar  tarefas fora do alcance de computadores comuns — algumas pessoas perguntaram o que havia de tão especial nisso. O programa, que checava o output de um gerador de números aleatórios, era de valor prático limitado e não provou que o computador da empresa poderia fazer qualquer coisa de útil, disseram os críticos. 

Porém, agora o computador quântico da Google conseguiu fazer uma coisa que pode vir a ter  aplicações no mundo real: teve sucesso na simulação de uma única reação química. Esse feito aponta para o campo da química quântica, e poderia ajudar a expandir o entendimento dos cientistas sobre as reações moleculares e conduzir a descobertas úteis, tais como baterias mais eficientes, novas maneiras de se produzir fertilizadores e um aperfeiçoamento dos métodos de remoção do dióxido de carbono do ar. 

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O experimento de supremacia quântica do ano passado foi realizado em um chip chamado de Sycamore, que continha 53 bits quânticos supercondutores, ou qubits. Quando resfriados até próximo do zero absoluto, os qubits se aproveitam das propriedades da mecânica quântica, e os cientistas conseguem manipulá-los  de maneiras que são mais complexas, e mais úteis,  do que uma simples possibilidade de ligar/desligar a passagem de uma corrente elétrica que é permitido pelos  bits dos computadores clássicos.  A esperança é que, algum dia, os computadores quânticos sejam poderosos o suficiente para realizar rapidamente cálculos que levariam a vida de um universo para serem realizados por um computador clássico. 

Esse experimento  de química-quântica, que foi descrito na edição de 28 de agosto na revista Science, se baseava  no mesmo design de projeto básico do Sycamore, apesar de utilizar apenas 12 qubits. Mas demonstrou a versatilidade do sistema, diz Ryan Babbush, o pesquisador responsável pelos algoritmos em desenvolvimento do projeto da Google. “Ele mostra que, de fato, esse aparelho é um computador quântico completamente programável que pode ser utilizado para qualquer tarefa que se  possa tentar”, ele diz. 

A equipe simulou primeiro uma versão simplificada do estado de energia de uma molécula que consistia de 12 átomos de hidrogênio, com cada um dos 12 qubits representando um único elétron do átomo. Eles então modelaram uma reação química em uma molécula que continha átomos de hidrogênio e de nitrogênio, que incluía o modo como a estrutura eletrônica da molécula se alteraria quando os átomos de hidrogênio se deslocassem de um lado para o outro. Como a energia dos elétrons dita a velocidade com que vai ocorrer a reação de diferentes moléculas a uma certa temperatura, ou a uma certa concentração, tais simulações poderiam ajudar aos cientistas a entender exatamente como tal reação ocorre, e como ela poderia mudar se se alterasse a temperatura ou a composição química.  

A simulação que os pesquisadores realizaram, conhecida como procedimento Hartree-Fock, pode também ser realizada em um computador clássico. Por isso, não houve uma demonstração da superioridade do  computador quântico. E a simulação, para ser executada, demandou  a ajuda de um computador clássico, que empregou aprendizado de máquina para avaliar cada cálculo e então refinar novas rodadas da simulação quântica. Mas o feito valida os métodos por trás do projeto, que serão importantes para  futuras simulações de química-quântica, diz Nicholas Rubin, cientista de pesquisa na equipe de pesquisa quântica da Google. Além disso, esse feito foi duas vezes maior do que o recorde anterior obtido por um computador quântico ao  fazer um cálculo químico. 

Em 2017, a IBM realizou uma simulação de química quântica utilizando seis qubits. Rubin diz que o resultado descreve um sistema molecular com o nível de complexidade que os cientistas na década de 1920 poderiam calcular a mão. Ao dobrar essa quantidade para 12 qubits, o projeto da Google atacou um sistema que poderia ser calculado com um computador da década de 1940. “Se nós dobrarmos isso novamente, provavelmente chegaremos a algo como a década de 1980”, acrescenta Babbush. “E se dobrarmos novamente, então nós provavelmente veremos além do que podemos fazer hoje”. 

Até agora, nenhum computador quântico conseguiu fazer algo que  computador clássico não conseguiria, diz Xiao Yuan, bolsista de pós-doutorado no Instituto de Física Teórica da Universidade de Stanford, que escreveu um comentário que acompanhava o artigo sobre a pesquisa da Google na Science. Até mesmo o feito de  supremacia quântica que a empresa anunciou em 2019 foi questionado por pesquisadores da IBM, que mostraram uma forma  de se obter os mesmos resultados usando-se um supercomputador durante  dois dias e meio, embora a versão da Google precisasse de um pouco mais de três minutos. Mas, diz Yuan, o experimento químico-quântico é um passo importante para um objetivo maior. “Se nós pudermos utilizar um computador quântico para resolver uma pergunta difícil e significativa, essa seria de fato a notícia mais importante”, ele acrescenta. 

Não existe razão teórica para que os cientistas não possam atingir tal objetivo, diz Yuan, mas o desafio técnico de mudar de passar de  qubits para centenas deles — e eventualmente muito mais — vai exigir uma engenharia muito complexa. Um computador quântico para aplicações gerais, com milhões de qubits, precisará de protocolos de correção de erro, o que implica um problema árduo que pode levar uma década ou mais para ser resolvido. Mas, enquanto isso não acontece, os chamados computadores quânticos de escala intermediária, que não possuem uma correção completa de erros, podem ainda se provar úteis. 

A química combina com a computação quântica, pois uma reação química é inerentemente quântica, diz Alán Aspuru-Guzik, pioneiro da química quântica da Universidade de Toronto. Para modelar completamente tal reação, é preciso que se conheça os estados quânticos de todos os elétrons envolvidos. E o que poderia ser melhor para modelar um sistema quântico do que utilizar outro sistema quântico? Muito antes que os engenheiros consigam desenvolver um computador quântico para uso geral,  aparelhos com poucos qubits devem conseguir alcançar uma performance superior às dos  computadores clássicos em um subconjunto de problemas interessantes no campo da química, diz Aspuru-Guzik. “Então isso é importante, mas não é o fim da história”, ele acrescenta. 

Por exemplo, Aspuru-Guzik está buscando materiais melhores para baterias, visando melhorar o armazenamento da energia produzida por turbinas de vento e células solares. Tais materiais possuem propriedades que podem parecer contraditórias: elas precisam ser reativas o suficiente para que possam  carregar e descarregar rapidamente, mas precisam ser estáveis  para evitar que explodam ou peguem fogo. As simulações computadorizadas  das reações poderiam ajudar a identificar os materiais ideais para essa difícil tarefa.  Essas simulações  também poderiam ser importantes no desenvolvimento de novas drogas. 

Mesmo assim, Aspuru-Guzik diz que podem existir outras formas inovadoras e revolucionárias de modelar reações químicas, além dos computadores quânticos. É possível que a inteligência artificial  desenvolva algoritmos que sejam eficientes o suficiente para executar simulações úteis em computadores clássicos. Para aumentar suas chances, seu laboratório trabalha com duas possibilidades: está desenvolvendo novos algoritmos para rodar em computadores quânticos de médio alcance, e criando robôs dirigidos por IA para descobrir novos tipos de materiais. 

Mas o trabalho da Google deixa Aspuru-Guzik otimista de que computadores quânticos possam resolver problemas interessantes em um futuro não tão distante. “Esse é o melhor que um computador quântico pode fazer hoje”, ele diz. “Mas ainda há muito trabalho para ser feito, tanto em hardware quanto em software, para chegar lá”.

Neil Savage

Publicado em 04/09/2020

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