Como refutar nove mitos populares sobre a COVID-19
Conforme o mundo continua sua batalha contra o coronavírus, também está combatendo uma outra epidemia: desinformação. Essa “infodemia” é tão perigosa quando a COVID-19 em si, levando as pessoas a desacreditarem da gravidade da doença e ignorar os avisos de saúde público em prol de tratamentos não aprovados ou “curas”. Uma pesquisa recente pela Fundação John S. e James L. Knight e Gallup descobriu que quatro em cinco americanos diz que o fluxo online de desinformação é o maior problema que a mídia enfrenta hoje. Mesmo com evidências amplamente disponíveis do contrário, as crenças são difíceis de serem alteradas. Aqui estão algumas das farsas mais traiçoeiras sobre a pandemia, e porquê estão erradas.
Mito 1: O novo coronavírus foi feito em um laboratório na China. Como o patógeno apareceu primeiro e começou a infectar as pessoas em Wuhan, na China, o Presidente Donald Trump alegou — sem evidências — de que começou em um laboratório por lá. Alguns teóricos conspiracionistas especularam que foi criado como uma arma biológica, apesar de agências de inteligência dos Estados Unidos negaram categoricamente essa possibilidade, afirmando que a comunidade de inteligência “concorda com o amplo consenso científico de que o vírus da COVID-19 não foi produzido por humanos ou modificado geneticamente”. Nenhuma evidência verossímil apareceu para apoiar a possibilidade de um lançamento acidental também. Conforme relata a Scientific American no começo deste ano, a virologista chinesa Shi Zhengli — que estudou coronaviroses por morcegos e cujo laboratório Trump e outros sugeriram ter sido a fonte da COVID-19 — comparou a sequência do patógeno contra outras viroses por coronavírus que sua equipe reuniu de cavernas de morcego, e descobriu que não combinava com nenhuma delas. Zhengli também explicou detalhadamente porque seu laboratório não poderia ter sido a fonte do vírus em uma longa resposta na revista Science. Em reação aos pedidos para uma investigação internacional e independente sobre como o vírus se originou, a China convidou pesquisadores da Organização Mundial da Saúde para discutir o escopo de tais missões. Mas a evidência sugere que o SARS-CoV-2 não foi criada em laboratório.
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Mito 2: Elites ricas espalharam intencionalmente o vírus para ganharem poder e dinheiro. Em um vídeo de um filme de teoria da conspiração chamado Plandemic e um livro que ela co-escreveu, uma mulher chamada Judy Mikovits, que publicou uma vez um estudo de alto perfil, que agora foi retratado, sobre síndrome de fadiga crônica, fez alegações sem substâncias sobre o diretor Anthony Fauci do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas e o cofundador da Microsoft Bill Gates, sugerindo que utilizaram seus poderes para lucrarem por conta da doença. A Science e o website PolitiFact realizaram um fact-check em algumas das alegações do filme, muitas da quais aparecem em outro lugar nesse artigo. O vídeo foi amplamente compartilhado por grupos de anti-vacina e pelo grupo da teoria da conspiração QAnon. Ele conseguiu mais de oito milhões de visualizações no Youtube, Facebook, Twitter e Instagram antes de ser retirado do ar devido a suas alegações falsas. Ainda assim, o grande número de pessoas que assistiram sugere que a desinformação se espalha perniciosamente.
Mito 3: A COVID-19 não é pior que uma gripe. Nos primeiros dias da pandemia, Trump repetidamente alegou que a doença não é mais perigosa do que uma influenza sazonal. Mas em 9 de setembro, o Washigton Post publicou gravações de Trump dizendo ao jornalista e autor Bob Woodward — em entrevistas no começo de fevereiro e no fim de março — de que o presidente saberia que a COVID-19 era mais mortal do que uma gripe, e que gostaria de diminuir sua gravidade. Apesar da taxa exata de mortalidade da COVID-19 ser difícil de determinar, epidemiologistas suspeitam que é muito maior do que da gripe. O Centro para Controle e Prevenção da Doença estima que a última causa aproximadamente 12,000 a 61,000 mortes por ano nos Estados Unidos, ao contrário da COVID-19, que causou mais de 191,000 mortes do país no momento em que este artigo foi escrito.
Muitas pessoas também possuem uma imunidade parcial contra gripe devido a vacinação ou infecções anteriores, enquanto a maior parte do mundo não tem para a COVID-19. Então não, a coronavírus não é “apenas uma gripe”.
Mito 4: você não precisa usar uma máscara. Apesar dos avisos iniciais sobre máscaras do CDC e da OMS terem sido confusos e inconsistentes, existe agora um consenso forte entre as autoridades de saúde pública — apoiado por diversos estudos — de que o uso de máscaras podem limitar a transmissão do coronavírus através de pequenas gotas. As máscaras são conhecidas há muito tempo por serem meios efetivos de controle da fonte (prevenindo que um paciente doente espalhe a doença para outros), mas os avisos iniciais foram baseados, em parte, no fato de que não haviam tantas máscaras de alta qualidade “N95” e cirúrgicas disponíveis. Nós agora sabemos que máscaras de tecido podem ser alternativas efetivas. Mas apesar da evidência, muitas pessoas ainda se recusam a utilizar uma, considerando uma violação das liberdades civis ou emasculação. O governador da Georgia, Brian Kemp, assinou uma ordem executiva que impedia as cidades de implementarem mandatos para a obrigatoriedade das máscaras. E ele processou a prefeita de Atlanta Keisha Lance Bottoms quando ela instituiu uma, apesar de ter derrubado o processo agora. Mas conforme aumentam os casos de coronavírus nos Estados Unidos nos últimos meses, mesmo estados que não eram favoráveis agora implementaram mandatos para o uso de máscaras.
Mito 5: hidroxicloroquina como um tratamento efetivo. Quando um pequeno, agora amplamente criticado, estudo na França sugeriu que o medicamento para malária, hidroxicloroquina, pode ser efetivo no tratamento da doença, Trump e outros se apoiaram nisso e continuaram a apoiar a medicação apesar das evidências crescentes de que não beneficia pacientes com COVID-19. Em uma publicação na rede social Twitter, Trump chamou o tratamento por hidroxicloroquina de “uma das maiores viradas de jogo na história da medicina”, e mencionou isso repetidamente em suas declarações sobre o coronavírus. A Food and Drug Administration inicialmente autorizou um uso emergencial para o medicamente, mas a agência depois avisou contra o seu uso devido ao risco de problemas cardíacos, e por fim revogou sua autorização. Diversos estudos mostraram que a hidroxicloroquina não protege contra a COVID-19 naqueles que foram expostos. E em junho, o Instituto Nacional de Saúde parou seu ensaio clínico da medicação, alegando que apesar de não ser perigoso aos paciente, não fornecia nenhum benefício. Ainda assim, Trump continua a estimular o uso do medicamento. Algumas semanas atrás, ele republicou em sua rede-social no Twitter um vídeo — visto dezenas de milhares de vezes antes das rede sociais retirarem do ar — com Stella Immanuel, uma médica localizada em Houston, no Texas (que disse alegações questionáveis no passado, incluindo de que médicos utilizaram DNA de alienígenas em tratamentos e de que demônios poderiam causar certas condições médicas ao terem relações sexuais com as pessoas em seus sonhos) alegando que a hidroxicloroquina é um tratamento efetivo para a COVID-19.
Mito 6: os protestos do movimento Black Lives Matter levaram ao aumento das transmissões. Quando milhares de pessoas foram as ruas no fim de maio e junho para protestar contra o assassinato policiado de George Floyd e a violência contra negros, algumas pessoas questionaram se essas aglomerações causariam um aumento nos casos de coronavírus. Mas apesar das preocupações de Republicanos como o Representante Jim Jordam de Ohio de que a demonstração impõe um grande risco assim como ir a igrejas ou a academia, tal aumento devido aos protestos não foi observado. Uma análise sobre o tema em protestos em 315 das maiores cidades dos Estados Unidos, realizada pela National Bureau of Economic Research não encontrou evidências de que levaram a mais casos ou mortes por COVID-19. E aqueles que não compareceram aos protestos pode ter permanecido em suas casas mais do que iriam em outra circunstância. O fato das demonstrações terem ocorrido a céu aberto, onde o risco de transmissão é muito menor, e de que muitos protestantes utilizaram máscaras provavelmente evitou eventos de super-contágio. Enquanto isso, conforme os estados reabriram, houve um notável aumento em casos relacionados a bares e restaurantes, além de outros ambientes fechados, provavelmente devido ao risco de contágio pelas vias aéreas.
Mito 7: O crescimento nos casos se deve ao aumento da testagem . À medida que os números de casos de coronavírus aumentam em muitas partes dos Estados Unidos, Trump frequentemente alega que esses picos ocorrem meramente devido ao fato de que mais pessoas estão sendo testadas. Ele publicou em seu Twitter que “sem testes… nós não apresentaríamos quase nenhum caso” e disse em entrevistas de que a razão aparente para o crescimento é o aumento da quantidade de testes. Se esse cenário fosse verdadeiro, nós esperaríamos que a porcentagem de testes positivos diminuísse também. Mas diversas análises mostraram o oposto. A taxa aumentou em muitos estados com surtos grandes (como o Arizona, Texas e Flórida), enquanto diminuiu em muitos estados que controlaram seus surtos (como Nova York), indicando que o aumento nacional de testes positivos reflete um verdadeiro aumento de casos.
Mito 8: Podemos alcançar a imunidade de rebanho ao deixar o vírus se espalhar pela população. No início da pandemia, alguns observadores especularam que as políticas escolhidas pelo Reino Unido e pela Suécia davam a impressão de que esses países planejavam deixar o vírus circular pela sua população até que se atingisse a imunidade de rebanho , que é o ponto onde o número de pessoas já imunes ao vírus impede que ele se espalhe para os outros indivíduos. (Os governos de ambas as nações negaram que essa ideia fosse a estratégia oficial, mas o Reino Unido depois aplicou um lockdown completo, enquanto a Suécia não adotou restrições generalizadas). Mas existe uma falha fundamental nessa abordagem: especialistas estimam que aproximadamente 60% a 70% das pessoas precisaram pegar a COVID-19 para alcançar a imunidade de rebanho. E dado a taxa de mortalidade relativamente alta da doença, deixar que o vírus infectasse tantas pessoas poderia levar a milhões de mortes. Foi a tragédia que ocorreu durante a pandemia de influenza em 1918, na qual estima-se que houve 50 milhões de mortes em todo o mundo. A taxa de mortalidade da COVID-19 no Reino Unido é uma das maiores no mundo. A Suécia, por sua vez, teve significativamente mais mortes do que seus países vizinhos, e sua economia sofreu, apesar de não parar. É provável que, se esses dois países tivessem agido antes, muitos de seus habitantes não tivessem morrido.
Mito 9: Qualquer vacina será insegura, e representará um risco maior do que a própria COVID-19. Enquanto os cientistas correm para desenvolver uma vacina contra a doença, relatórios preocupantes apareceram dizendo que muitas pessoas podem se recusar a receberem a vacina, quando uma estiver finalmente disponível. Teorias da conspiração atacando potenciais vacinas circularam entre grupos anti-vacina e em vídeos virais. Em Plandemic, Mikovits alega, falsamente, que qualquer vacina para a COVID-19 provavelmente irá “matar milhões”, e que isso já aconteceu com outras vacinas (na realidade, as vacinas salvam milhões de vidas a cada ano). Outra teoria da conspiração alega que Bill Gates possui um plano secreto para utilizar as vacinas para implantar microchips rastreáveis nas pessoas; Gates negou a acusação, que não é apoiada por nenhuma evidência. A maioria dos americanos ainda apoia as vacinas. Ainda assim, as poucas vozes discordantes aumentaram. Um estudo recente observou que, apesar das reuniões de pessoas contrárias as vacinas serem menores que os grupos pró-vacinação, eles estão mais conectados com grupos de pessoas indecisas. Uma pesquisa recente da Gallup descobriu que um em três americanos não tomaria a vacina contra a COVID-19 se ela estivesse disponível hoje. E Republicanos têm menos chance de serem vacinados do que Democratas. Existem bons motivos para se ter cautela quanto à segurança de uma nova vacina, mas a necessidade de prudência é o motivo pelo qual as principais candidatas estão sendo submetidas a ensaios clínicos grandes, que envolvem dezenas de milhares de pessoas, para determinar se são seguras e eficazes. Se uma ou mais vacinas forem aprovadas, será crucial que a população seja vacinada para que possamos salvar vidas. Incluindo, talvez, sua própria vida.
Tanya Lewis
Publicado em 20/10/2020