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Como o bóson de Higgs arruinou a vida de Peter Higgs, físico que o teorizou

Nova biografia do físico e da partícula prevista por ele revela seu desgosto pelos holofotes.
Bóson de Higgs.

Modelo da produção de partículas de bóson de Higgs no Grande Colisor de Hádrons. Crédito: Lucas Taylor/CERN/Wikimedia Commons

Há dez anos, cientistas anunciaram uma das mais monumentais descobertas na física: o bóson de Higgs. A partícula, prevista 48 anos antes, era a última peça faltando no Modelo Padrão da física de partículas. A máquina de 27 km de comprimento construída para encontrá-la, o Grande Colisor de Hádrons (LHC, em inglês) nas instalações da CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) perto de Geneva, correspondeu às expectativas ao mostrar sinais de um novo aspecto fundamental da natureza que correspondia ao que era esperado para o bóson. 

A existência desse pequeno objeto foi inicialmente proposta pelo físico Peter Higgs em 1964. Por anos, a importância da previsão passou despercebida pela maior parte dos cientistas, incluindo o próprio Higgs. Mas, gradualmente, ficou claro que o bóson de Higgs não era apenas um coadjuvante esquisito no circo da física de partículas, mas sim o seu protagonista. Descobriu-se que a partícula — e o campo de Higgs a ela associado — eram responsáveis por dar massa a todas as outras partículas e, dessa forma, criar a estrutura de galáxias, estrelas e planetas que definem nosso Universo e criam as condições para nossa espécie. 

Os físicos acreditaram nisso por décadas, mas as provas só vieram em 4 de julho de 2012, quando pesquisadores de dois experimentos no LHC anunciaram sua descoberta e confirmaram a previsão feita por Higgs tantos anos atrás. 

Peter Higgs.

O físico Peter Higgs. Crédito: Hans G/Wikimedia Commons

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No entanto, a descoberta de grande impacto científico colocou o notoriamente reservado Peter Higgs diante dos holofotes. Quando ele dividiu o Prêmio Nobel de Física no ano seguinte, Higgs deixou sua casa em Edinburgh, Escócia, e se recolheu em um bar do outro lado da cidade para que o comitê de premiação não pudesse encontrá-lo. 

O físico Frank Close conta a história de Higgs e de sua previsão no seu novo livro Elusivo: Como Peter Higgs resolveu o mistério da matéria (Elusive: How Peter Higgs Solved the Mystery of Mass, publicado em inglês pela Basic Books, 2022). A Scientific American conversou com Close sobre a partícula, os trabalhos para encontrá-la e sobre a pessoa que começou tudo isso. 

Segue uma transcrição editada da entrevista.

Seu livro chama-se Elusivo. Certamente o bóson de Higgs foi elusivo e precisou de décadas e bilhões de dólares para ser encontrado. Mas a pessoa Higgs surge em seu livro também como alguém elusivo. 

Um dos maiores abalos que tive ao entrevistá-lo foi quando ele disse que a descoberta do bóson de Higgs “arruinou [a sua] vida”. Eu pensei: “como ela pode ter arruinado a sua vida quando você montou belos esquemas matemáticos, e acabou misteriosamente esbarrando na essência da natureza, e tudo o que você acreditava foi provado correto, e você ganhou um Prêmio Nobel? Como essas coisas podem somar-se a uma vida arruinada?” Ele respondeu, “minha existência relativamente pacífica estava acabando. Meu estilo é trabalhar em isolamento e ocasionalmente chegar em uma boa ideia”. Ele é uma pessoa muito reclusa que foi lançada diante da ribalta. 

Isso, acredito eu, é a razão de Peter Higgs ser alguém elusivo para mim, ainda que eu o conheça há 40 anos. 

Você cita Higgs dizendo que essa ideia foi “a única ideia realmente original que eu já tive”. Da sua perspectiva, isso é verdadeiro?

Sim, mas quantos de nós realmente podemos dizer que tivemos mesmo uma ideia brilhante? Não há dúvida que ele realmente teve uma ideia brilhante. Na física, as pessoas que já fizeram coisas importantes tendem a fazer ainda mais coisas importantes. Nesse sentido, Higgs é único ao fazer isso uma única vez.

É fácil descartar sua conquista como um produto da sorte, e claramente sorte foi uma parte dela. Mas ele estava no lugar certo e na hora certa, temos que reconhecer. Higgs passou dois ou três anos realmente tentando entender um problema em particular. E, porque ele já havia feito o trabalho duro e ainda estava tentando aprofundar seu entendimento desse conceito complexo, quando um artigo apareceu na sua mesa propondo um questionamento parecido, Higgs acabou encontrando a resposta por causa do trabalho que já havia feito. Ele às vezes afirma: “eu sou primordialmente conhecido por três semanas da minha vida”. Eu digo de volta: “sim, Peter, mas você passou dois anos se preparando para esse momento”.

A descoberta do bóson de Higgs ocorreu quase 50 anos depois da previsão de Higgs, e ele disse que nunca esperou que ele fosse encontrado no seu tempo de vida. O que significou para ele quando a partícula finalmente foi detectada?

Ele me disse que sua primeira reação foi de alívio que ela realmente estava confirmada. Naquele momento ele soube que, no final das contas, [a partícula existia], e ele se sentiu profundamente impactado que essa realmente era a maneira como [a partícula] funcionava na natureza — e então entrou em pânico sabendo que sua vida mudaria.

Por que a descoberta de Higgs foi tão importante?

A descoberta de Higgs foi que a massa não é uma propriedade intrínseca das partículas. Ela é resultado de todo um cosmos. Isso acontece porque há um campo de algum tipo que faz isso. E o aspecto estranho e contra intuitivo dessa ideia é que se o vácuo [do espaço] estivesse completamente vazio, ele seria menos estável do se estiver preenchido com esse campo misterioso, o campo de Higgs. Isso é tão contra intuitivo que eu me pergunto se é por isso que demorou tanto para que a ideia surgisse. E agora sabemos que ela é verdadeira. 

A maioria das pessoas já ouviu falar de um campo eletromagnético. Se adicionarmos energia a um campo eletromagnético, podemos excitá-lo para produzir fótons. De forma semelhante, há isso que chamamos de campo de Higgs. Se pudermos adicionar energia suficiente nele, poderíamos, em princípio, excitá-lo para que produza um bóson de Higgs. O bóson de Higgs e o campo de Higgs são análogos aos fótons e ao campo eletromagnético. 

No entanto, acender um fósforo produz milhões de fótons, mas, para produzir um bóson de Higgs, temos que concentrar 125 bilhões de elétron-volts em um ponto, que é o que foi feito no LHC. Essa é a razão de por que conhecemos fótons por 100 anos e apenas recentemente descobrimos o bóson de Higgs. 

Já faz 10 anos da descoberta do bóson de Higgs, e algumas pessoas estão descrevendo uma falta de descobertas do mesmo porte no LHC desde então. Você está desapontado que não houve nenhuma outra descoberta de alto calibre depois de 2012?

Essa descoberta foi um momento revolucionário na cultura humana. É uma descoberta que será colocada ao lado da descoberta do átomo e do núcleo por Rutherford. É a descoberta que todos estamos imersos nessa essência misteriosa, o campo de Higgs, que, em última instância, leva à estruturação do Universo. Esperar que descobertas posteriores atinjam esse mesmo padrão é ignorar a proporção desse evento. 

Qual é a perspectiva para os próximos 10 anos no LHC?

Encontrar o bóson de Higgs foi como escalar uma montanha. Quando Higgs terminou seu trabalho teórico, ainda não sabíamos onde estava a cordilheira e nem mesmo qual era sua altura. O Modelo Padrão da física de partículas ainda nem existia. Havia uma percepção vaga que, em algum lugar desse cume, estaria o bóson de Higgs para provar que toda essa estrutura estava lá. No final dos anos 1990, tínhamos alguma noção da altura da montanha. E foi somente em 2012 que finalmente escalamos até o topo. 

Agora estamos descendo pelo outro lado da montanha, andando pelos planos, e eles se estendem por todos os lados ao redor da escala de Planck [o limite mínimo do Universo]. Se estivermos certos, em algum lugar nesses planos está uma outra cordilheira de montanhas onde existem partículas de supersimetria ou de matéria escura. Mas não temos uma indicação clara da distância que teremos de viajar para ver essas novas cordilheiras. Essa é a diferença entre onde estamos agora e onde estivemos nas últimas décadas. Não temos nenhuma maneira cativante de dizer o quão distantes estamos. É elusivo.

Clara Moskowitz

Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 24/06/2022; aqui em 06/06/2022.

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