Cientistas encontram maneira de testar o efeito Unruh, fenômeno quântico que prevê chuvas de partículas brilhantes no espaço vazio
A física teórica está cheia de conceitos estranhos e maravilhosos: buracos de minhoca, espuma quântica e multiversos, só para citar alguns. O problema é que, embora eles surjam facilmente das equações dos teóricos, são praticamente impossíveis de criar e testar em um ambiente de laboratório. Mas para uma dessas teorias “não testáveis”, uma configuração experimental pode estar logo ali, no horizonte.
Pesquisadores do Instituto de Tecnologia Massachusetts (MIT) e da Universidade de Waterloo em Ontário (Canadá), dizem ter encontrado uma maneira de testar o efeito Unruh, um fenômeno bizarro que prevê o surgimento de objetos se movendo no espaço vazio. Se os cientistas conseguirem observar o efeito, a façanha poderá confirmar algumas suposições de longa data sobre a física dos buracos negros. Sua proposta foi publicada na Physical Review Letters em 21 de abril.
Se você pudesse observar o efeito Unruh pessoalmente (algo possível apenas se estiver dentro da “nave”), poderia parecer um pouco como pular para o hiperespaço na Millennium Falcon – uma súbita onda de luz banhando sua visão de um vazio negro. À medida que um objeto acelera no vácuo, ele fica envolto em um manto térmico de partículas brilhantes. Quanto mais rápida a aceleração, mais quente o brilho. “Isso é extremamente estranho” porque um vácuo deveria ser vazio por definição, explica o físico quântico Vivishek Sudhir, do MIT, um dos coautores do estudo. “De onde vem isso?”
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De onde vem, tem a ver com o fato de que o chamado espaço vazio não é exatamente vazio, mas sim impregnado por campos quânticos energéticos sobrepostos. Flutuações nesses campos podem dar origem a fótons, elétrons e outras partículas e podem ser desencadeadas por um corpo em aceleração. Em essência, um objeto acelerando através de um vácuo inundado por um campo pega uma fração da energia dos campos, que é posteriormente reemitida como radiação Unruh.
O efeito leva o nome do físico teórico Bill Unruh, que descreveu seu fenômeno homônimo em 1976. Mas dois outros pesquisadores – o matemático Stephen Fulling e o físico Paul Davies – elaboraram a fórmula independentemente nos três anos anteriores à descrição de Unruh (em 1973 e 1975, respectivamente).
“Lembro-me nitidamente”, diz Davies, que agora é professor regente na Universidade do Estado do Arizona (EUA). “Eu fazia os cálculos sentado na penteadeira da minha esposa porque não tinha mesa ou escritório.”
Um ano depois, Davies conheceu Unruh em uma conferência onde o cientista estava dando uma palestra sobre sua recente descoberta. Davies ficou surpreso ao ouvir Unruh descrever um fenômeno muito semelhante ao que emergiu de seus próprios cálculos de penteadeira. “E então nos reunimos no bar”, lembra Davies. Os dois rapidamente iniciaram uma colaboração que continuou por vários anos.
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Davies, Fulling e Unruh abordaram seus trabalhos de um ponto de vista puramente teórico; eles nunca esperaram que alguém projetasse um experimento do mundo real baseado neles. À medida que a tecnologia avança, no entanto, ideias que antes eram relegadas ao mundo da teoria, como ondas gravitacionais e o bóson de Higgs, podem ficar ao alcance da observação real. E observar o efeito Unruh, ao que parece, poderia ajudar a consolidar outro conceito das fronteiras da física.
“A razão pela qual as pessoas estão trabalhando no efeito Unruh não é porque pensam que os observadores acelerados são tão importantes”, diz Christoph Adami, professor de física, astronomia e biologia molecular da Universidade do Estado de Michigan (EUA), não envolvido na pesquisa. “Eles estão trabalhando nisso por causa da ligação direta com a física dos buracos negros.”
Essencialmente, o efeito Unruh é o outro lado de um fenômeno físico muito mais famoso: a radiação Hawking, nomeada em homenagem ao físico Stephen Hawking, que teorizou que um halo de luz quase imperceptível deveria vazar dos buracos negros à medida que eles evaporam lentamente.
No caso da radiação Hawking, esse efeito quente difuso é essencialmente o resultado de partículas sendo puxadas para um buraco negro pela gravidade. Mas para o efeito Unruh, é uma questão de aceleração – que é, de acordo com o princípio de equivalência de Einstein, a igualdade matemática da gravidade.
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Imagine que você está em um elevador. Com um solavanco, o carro corre para o próximo andar e, por um momento, você se sente puxado em direção ao chão. Do seu ponto de vista, “isso é essencialmente indistinguível da gravidade da Terra subitamente sendo aumentada”, diz Sudhir.
O mesmo vale, diz ele, de uma perspectiva matemática. “É simples assim: existe uma equivalência entre gravidade e aceleração”, acrescenta Sudhir.
Apesar de sua proeminência teórica, os cientistas ainda não observaram o efeito Unruh. (E também não conseguiram ver a radiação Hawking.) Isso porque o efeito Unruh há muito é considerado extraordinariamente difícil de testar experimentalmente. Na maioria das circunstâncias, os pesquisadores precisariam submeter um objeto a acelerações absurdas – mais de 25 quintilhões de vezes a força da gravidade da Terra – para produzir uma emissão mensurável. Alternativamente, acelerações mais acessíveis podem ser usadas – mas, nesse caso, a probabilidade de gerar um efeito detectável seria tão baixa que tal experimento precisaria ser executado continuamente por bilhões de anos. No entanto, Sudhir e seus co-autores acreditam ter encontrado uma brecha.
Ao agarrar um único elétron no vácuo com um campo magnético e depois acelerá-lo através de um banho de fótons cuidadosamente configurado, os pesquisadores perceberam que poderiam “estimular” a partícula, elevando-a artificialmente para um estado de energia mais alto. Essa energia adicionada multiplica o efeito da aceleração, o que significa que, usando o próprio elétron como sensor, os pesquisadores poderiam captar a radiação Unruh ao redor da partícula sem ter que aplicar tantas forças G (ou ter que esperar por eras).
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Infelizmente, um banho de fótons que aumenta a energia também adiciona “ruído” de fundo ao amplificar outros efeitos de campo quântico no vácuo. “Isso é exatamente o que não queremos que aconteça”, diz Sudhir. Mas controlando cuidadosamente a trajetória do elétron, os experimentadores devem ser capazes de anular essa interferência potencial – um processo que Sudhir compara a lançar uma capa de invisibilidade sobre a partícula.
E, ao contrário do kit necessário para a maioria dos outros experimentos de física de partículas de ponta, como os ímãs supercondutores gigantes e as extensas linhas de luz do Grande Colisor de Hádrons do CERN, os pesquisadores dizem que sua simulação do efeito Unruh pode ser configurada na maioria dos laboratórios universitários. “Não precisa ser um grande experimento”, diz a coautora do artigo Barbara Šoda, física da Universidade de Waterloo. Na verdade, Sudhir e seus alunos de Ph.D. estão atualmente projetando uma versão que pretendem realmente construir, que eles esperam estar em ação nos próximos anos.
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Adami vê a nova pesquisa como uma síntese elegante de várias disciplinas diferentes, incluindo física clássica, física atômica e teoria quântica de campos. “Acho que este artigo está correto”, diz ele. Mas, assim como o próprio efeito Unruh, “até certo ponto, está claro que esse cálculo já foi feito antes”.
Para Davies, o potencial de testar o efeito pode abrir novas portas excitantes para a física teórica e aplicada, validando ainda mais fenômenos quase inobserváveis previstos pelos teóricos enquanto expandem o kit de ferramentas que os experimentalistas podem usar para interrogar a natureza. “A coisa sobre a física que a torna uma disciplina tão bem-sucedida é que experimento e teoria andam de mãos dadas”, diz ele. “Os dois estão em sintonia.” Testar o efeito Unruh promete ser uma conquista máxima para ambos.
Joanna Thompson
Joanna Thompson é uma entusiasta de insetos e estagiária na Scientific American. Ela está sediada na cidade de Nova York.
Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 20/05/2022; aqui em 30/05/2022.