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Cientistas cultivam as primeiras sementes em solo lunar das missões Apollo

A pesquisa usou a espécie "Arabidopsis thaliana", um modelo para biologia. Os brotos germinaram e sobreviveram, mas não prosperaram no solo lunar.
Cientistas observam solo lunar.

Robert Ferl (esquerda) e Anna-Lisa Paul (direita), ambos na Universidade de Flórida, olham para recipientes parte preenchidos com solo lunar e parte preenchidos com um solo controle, sob luz de crescimento de LED. Neste momento, os cientistas não sabiam se as sementes iriam germinar nessas condições. Crédito: Tyler Jones, UF/IFAS

Doze gramas de Lua chegaram no laboratório de Robert Ferl em uma caixa discreta da UPS (empresa de logística United Parcel Service).

Ferl, um horticultor na Universidade da Flórida, esperava a mais de uma década por este momento. A pequena caixa de terra, com o carimbo da NASA, carregava um pouco dos últimas amostras seladas de pó lunar, ou regolito, coletados por astronautas nas missões Apollo 11, 12 e 17. Mesmo com meses de prática, relembra Ferl, ele levantou a amostra com as mãos tremendo. “É esquisito e assustador. Quero dizer, o que acontece se deixar cair?”, disse ele. Ferl e sua equipe estavam prestes a se tornar os primeiros pesquisadores a cultivar plantas em solo lunar real. 

O experimento foi aprovado como parte de um crescimento recente em pesquisas lunares ocasionado pelo programa Artemis, da NASA, que busca enviar humanos de volta à Lua até o final da década. Desta vez, a NASA quer explorar a Lua de forma mais sustentável ao criar bases na superfície para estadias mais longas, assim como uma estação espacial orbitando o satélite, chamada de Gateway (“Portal”, em inglês) — ambos ensaios vitais, afirma a agência, para eventuais jornadas para Marte. 

Cientistas acreditam que essas missões mais duradouras necessitarão de uma fonte sustentável de alimentos. “Toda exploração humana foi guiada pela habilidade de manter as equipes alimentadas”, afirma Gil Cauthorn, pesquisador residente em Osaka, Japão, na Iniciativa de Pesquisa Internacional de Astrobotânica. 

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A pesquisa de Ferl, publicada em Communications Biology em maio, oferece um primeiro passo importante nessa jornada, provando, em última instância, que plantas podem crescer no solo lunar. As sementes não conseguiram realmente prosperar apenas no regolito, no entanto, indicando que futuras fazendas lunares precisarão fertilizar o solo antes de plantar culturas. 

Para testar o solo lunar, Ferl e sua equipe dividiram as amostras em 12 vasos de 900 miligramas, e plantaram em cada um sementes de Arabidopsis thaliana (um parente resistente da mostarda e do repolho, que serve de “organismo modelo” na biologia). Para sua surpresa, todas as sementes germinaram com sucesso. Mas os brotos encontraram dificuldades com o próximo estágio de crescimento: estabelecer uma rede saudável de raízes. “Isso acabou sendo relativamente complicado”, disse Ferl.

Os brotos no solo da Apollo cresceram lentamente e mostraram sinais de estresse extremo, associado ao excesso de sais, metais e oxidação no solo. Grande parte dessas causas está ligada às condições “espaciais” em que o regolito se formou — ele foi atingido por ventos solares, raios cósmicos e quedas de meteoritos por bilhões de anos. Mas igualmente importantes são os ingredientes faltando — água e micróbios, principalmente.

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Micróbios estão entre os componentes mais importantes de qualquer solo. “Seu papel é enorme”, afirma Gretchen North, ecologista fisiológico de plantas na Faculdade Occidental (Califórnia), não envolvido com o estudo. Bactérias simbióticas ajudam plantas a regular hormônios de crescimento, combater patógenos, minimizar o estresse ambiental e a absorver nutrientes de grande importância, como o nitrogênio. Entretanto, o regolito lunar não possui micróbios naturais. Sem essa rede biológica complexa, as plantas cultivadas nesse solo tiveram dificuldades em manejar a absorção de nutrientes e o estresse.

A falta de água também pode mudar a consistência do solo para pior. Regolito, que é um material estritamente não biológico, pode se tornar extremamente denso, como cimento, quando água é adicionada. “É difícil evitar que esse material se torne uma pedra”, afirma Cauthorn.

Mas isso não significa necessariamente que o regolito lunar não pode ser transformado em um solo viável ao adicionar nutrientes ou compostar plantas para abrigar comunidades de micróbios. Até mesmo sem fazê-lo, é possível que plantas possam sobreviver uma ou duas gerações enquanto são estabelecidas. “Plantas de culturas são capazes de segurar o apetite e ficar pequenas”, afirma North. Ainda assim, sem um desenvolvimento de solo adequado, “depois de algum tempo, elas provavelmente não fariam as funções importantes que precisamos que as culturas façam”.

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Apesar desses obstáculos nutricionais e microbianos para estabelecer a agricultura lunar, North, que estudou o crescimento de plantas em condições simuladas de Marte, acredita que a Lua é um terreno mais fértil que o solo enferrujado do Planeta Vermelho. Isso pois o regolito marciano está cheio de perclorato, um óxido que retarda o crescimento das plantas e pode ser perigoso para humanos. 

Mais cedo ou mais tarde, a habilidade de cultivar plantas para além da Terra se tornará vital para viver e trabalhar no espaço. Seja em habitats orbitais ou em jornadas interplanetárias de longa data, plantas poderiam ser não apenas a única fonte sustentável de alimento como também componentes de um sistema de suporte à vida, produzindo oxigênio e retirando o excesso de dióxido de carbono do ar. 

“Cultivar plantas é parte de um aprendizado de como sobreviver e prosperar nos ambientes espaciais em que vamos trabalhar”, afirma Jake Bleacher, cientista de exploração chefe na Diretoria de Operações de Missão e Exploração Humana da NASA, também não envolvido no estudo. Além disso, métodos para cultivar plantas em regolitos de outros mundos também podem ser úteis para a agricultura em solos com extremas deficiências de nutrientes e água aqui na Terra. 

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“A maioria de nós não vai pro espaço”, afirma Cauthorn. “Mas se arranjarmos uma maneira de produzir culturas em ambientes tão hostis — como na superfície lunar — poderíamos aplicar esse conhecimento para combater a falta de alimentos em áreas que não conseguem produzir mais comida.”

No futuro, Ferl gostaria de continuar estudando como a vida pode tomar conta de solos extraterrestres estéreis. Mas, por agora, ele e seus colegas pesquisadores estão gratos pela oportunidade de fazer experimentos com um dos únicos resquícios de solo lunar na Terra. “Para nós, isso foi e continua sendo um grande privilégio”, disse ele.

Joanna Thompson

Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 02/06/2022; aqui em 02/06/2022.

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