Bactérias comuns podem produzir fibras para fabricação de biomateriais resistentes
Bactérias em breve poderão participar de processos de fabricação. Pesquisadores desenvolveram uma técnica que usa a corriqueira e comum bactéria Escherichia coli para produzir sinteticamente uma proteína muscular chamada titina, que, algum dia, poderia construir fibras duras, resistentes e flexíveis. Suas utilizações poderiam se estender de suturas cirúrgico-médicas a tecidos resistentes a impactos ou biodegradáveis. A titina é uma proteína sarcomérica gigante dezenas de vezes maior do que a maioria das moléculas que já foram produzidas em um laboratório, dizem os pesquisadores.
Como a E. coli é fácil de controlar e se replica com rapidez, os cientistas a usam para produzir muitos tipos de substâncias, incluindo biodieseis e produtos farmacêuticos. No entanto, até agora, sintetizar proteínas maiores, tais como a titina — que é cerca de 50 vezes maior do que as proteínas que a E. coli produz — esteve fora do alcance da ciência.
Em um novo estudo detalhado em Nature Communications, os pesquisadores estimularam bactérias E. coli a fabricar titina ao introduzirem nela um filamento circular de instruções de DNA geneticamente projetadas, chamado plasmídeo. Mas construir uma proteína tão grande exaure os recursos celulares, diz o bioquímico Cameron Sargent, da Universidade Washington em St. Louis, coautor do estudo. Assim, se um plasmídeo instruir uma E. coli a construir toda a proteína de uma só vez, a bactéria evitará o fardo de produção ao remover ou truncar o plasmídeo. Por isso, a equipe em vez disso criou um plasmídeo que faz a E. coli construir fragmentos proteicos mais curtos que são estruturados para se conectarem ou ligarem dentro da bactéria.
++ LEIA MAIS SOBRE BACTÉRIAS
Bactérias de cratera de vulcão na Terra podem ajudar na busca por vida em Marte
Bactéria pode ajudar a gerenciar o lixo nuclear
Uma vez que extraíram a titina das bactérias, os cientistas dissolveram as proteínas a uma alta concentração em um solvente orgânico. Em seguida, eles esguicharam essa solução através de uma seringa em um banho-maria, deixando as proteínas se juntarem ou “montarem” ao longo de uma fibra emergente à medida que esta era tecida — um processo de extrusão inspirado em como as aranhas constroem suas linhas mestras de seda. Assim, a robustez e resistência dos filamentos criados excederam as da titina natural mensurada em fibras musculares.
Sargent compara o tamanho e a disposição das moléculas de titina dentro das fibras a um pote de espaguete congelado, solidificado. “É muito mais difícil separar espaguetes compridos em comparação com espaguetes curtos, porque quanto mais longo for o filamento, mais interações existem entre cada fio”, diz ele. Os pesquisadores descobriram que o modo como essas interações reagem a estresse é fundamental para a resistência da titina: quando as fibras são puxadas, as ligações dentro das moléculas se rompem primeiro, absorvendo grande parte da energia da força aplicada antes que as ligações entre os próprios filamentos acabem quebrando, se desfazendo.
Pesquisadores agora podem aplicar essa técnica de fabricação a outras proteínas grandes, viabilizando a exploração de biomateriais para usos práticos.
Connie Chang
Publicado originalmente na edição de janeiro/fevereiro de 2022 da Scientific American Brasil; aqui em 10/03/2022.