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Atitudes contra a ciência impactam combate à pandemia do coronavírus no Brasil, diz presidente da Academia Brasileira de Ciências

Em entrevista para a Nature, Luiz Davidovich discute os desafios enfrentados pelo país que possui o terceiro maior número de casos de COVID-19

Professor Luiz Davidovich Créditos: IF-UFRJ

Os pesquisadores brasileiros têm uma batalha em suas mãos. O país possui o terceiro maior número de casos confirmados de COVID-19, com mais de 300,00 infecções e 20,000 mortes. Cientistas tentam lutar não apenas contra o coronavírus, mas também contra a postura do governo contrária à ciência. 

O presidente Jair Bolsonaro, que foi fotografado cumprimentando apoiadores nas semanas recentes, rejeita as medidas de distanciamento social enquanto promove fielmente o remédio para malária cloroquina como tratamento para o coronavírus, apesar da falta de evidências sobre sua efetividade. O ex-ministro Luiz Mandetta foi demitido na metade de abril após discordar sobre a resposta de Bolsonaro para a pandemia. Seu sucessor, Nelson Teich, se demitiu no dia 15 de maio, após apenas um mês no cargo. 

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Apesar da tempestade, os pesquisadores brasileiros estão trabalhando duro para superar os desafios que a pandemia trouxe, diz o físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro. 

Davidovich conversou com a Nature sobre o impacto das atitudes anti-ciência e cortes orçamentários no país, e nas possibilidades de pesquisa pós-pandemia. 

Qual o papel dos cientistas na pandemia no Brasil?

Cientistas estão trabalhando intensamente por todo o país. Engenheiros estão trabalhando para desenvolver ventiladores confiáveis mas mais baratos, químicos estão explorando compostos para possíveis tratamentos, e matemáticos estão utilizando inteligência artificial para identificar moléculas que podem ajudar a aliviar a dor dos pacientes. 

Também há pesquisa em possíveis vacinas, e ensaios clínicos na cidade de Manaus, na região da Amazônia sobre os efeitos da cloroquina e da hidroxicloroquina em pessoas com COVID-19. Mas os pesquisadores envolvidos nesses ensaios tiveram muito problemas por encontrarem resultados negativos. Como os resultados do ensaio indicaram que os medicamentos não funcionam, os cientistas começaram a receber ligações de pessoas ameaçando suas vidas e suas famílias. Isso mostra a situação que temos aqui. A Academia Brasileira de Ciência alertou para o governo defender e proteger esses cientistas. 

Como a situação afetou pesquisas não relacionadas ao coronavírus?

As Universidades estão fechadas, e não está claro quando irão reabrir. Isso está atrasando a pesquisa, especialmente pesquisa experimental. Além disso, estar fisicamente presente é muito importante. Você vai almoçar com alguém e tem ideias conversando de maneira informal. Eu não sei como chamar alguém no Zoom e dizer: “vamos ter uma ideia”, não funciona dessa maneira. Eu realmente sinto falta das conversas de quando estamos falando sobre outra coisa e isso leva a uma nova ideia. Não ter isso definitivamente afetará o desenvolvimento da ciência. 

Como os pesquisadores estão lidando com a atitude do governo em relação a ciência?

Organizações científicas estão publicando declarações criticando a postura anti-ciência do governo. O presidente da Academia Nacional de Medicina e eu assinamos uma declaração sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, dizendo o que a ciência sabe sobre esses medicamentos e criticando a posição do governo. Também estamos trabalhando com a mídia. Em uma entrevista para um noticiário televisivo, eu disse que os medicamentos devem ser prescritos por médicos, não pelo presidente do Brasil. Nós também organizamos um dia inteiro de marcha virtual pela ciência na qual essas questões foram debatidas. 

Existem regiões do país onde os oficiais do governo estão mais abertos a conselhos científicos?

Sim, um bom exemplo é o nordeste do Brasil. É uma das regiões mais pobres, e existem muito mais cientistas no Sudeste do que no Nordeste. Mas em março, um comitê científico foi formado para ajudar os governadores dos estados do nordeste. O comitê publicou relatórios sobre o desenvolvimento da ciências e maneiras para restabelecer o que chamamos de “novo normal” no país. Eles estão em contato próximo com os governadores, e isso é um bom exemplo para o país inteiro. [Os governadores de Rio de Janeiro e São Paulo também formaram comitês de ajuda científica].

A pandemia está mudando a opinião pública sobre ciência?

Estamos tentando avaliar isso mais de perto, mas a ciência está em todo lugar na imprensa. Os cientistas estão sendo convidados pelos canais de televisão para falar sobre ciência. As pessoas dizem que a ciência é muito importante atualmente — mas por outro lado, alguns ainda acreditam que a Terra é plana, que os humanos não causam nenhum efeito no clima e que a seleção natural está errada. Mas eu acredito que a mídia brasileira está prestando mais atenção aos cientistas. O jornal nacional O Globo agora tem uma seção chamada “A Hora da Ciência”. Ela reúne diferentes cientistas que falam sobre assuntos relacionadas a pandemia todo dia. Eu espero que mantenham essa seção após a pandemia. 

Quais lições o Brasil aprendeu da pandemia de Zika que se aplica agora?

Aprendemos que você deve preparar o país com antecedência. Quando a epidemia de Zika começou, nossos laboratório ainda podiam funcionar muito bem. Nós cooperamos com cientistas de todo o país, e os pesquisadores encontraram maneiras de evitar que as mães pegassem Zika, como precaução. Nós aprendemos que a cooperação na ciência é importante. Ter bons equipamentos é importante. Ter pessoas boas é importante. Se nós construímos políticas públicas baseadas nisso? Não, definitivamente não.

Como os cortes orçamentários afetaram a ciência no Brasil?

Desde 2013 o financiamento da ciência no Brasil vem decaindo. Nós trabalhamos com equipamentos obsoletos em muitos laboratórios, e os laboratórios possuem cada vez menos suprimentos. Por conta desses cortes orçamentários, cientistas jovens deixaram o Brasil. Quatro jovens deixaram meu grupo no ano passado — pessoas brilhantes que foram para outros países. Não é só uma questão da falta de recursos. É também o ambiente geral do país, o fato de que sentem que não há apoio do governo para fazer ciência no Brasil. Isso é ruim para o país, porque essas são as pessoas que têm novas ideias, e elas são muito motivadas. 

Quais possibilidades você vê para a pesquisa pós-pandemia?

A indústria farmacêutica do Brasil é focada em medicamentos genéricos, produzindo fármacos que foram desenvolvido originalmente por empresas em outros países. Existe um paradoxo nisso. O Brasil possui cerca de 20% da biodiversidade do mundo, e nós não lucramos com isso, por conta de uma política industrial que apostava em genéricos e não em estimular start-ups que poderiam usar a biodiversidade brasileira para a biomedicina. Essa pandemia levantou discussões sobre como ter uma indústria farmacêutica centrada em biofármacos baseados na biodiversidade brasileira.

Esse artigo foi reproduzido com permissão e foi publicado originalmente em 22 de maio de 2020

Barbara Fraser

Publicado em

25/05/2020 

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