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Astrônomos encontram água em exoplaneta com duas vezes o tamanho da Terra

Vapor de água nos céus do planeta K2-18 b mostram que ele pode ser o melhor candidato para abrigar vida já conhecido fora do Sistema Solar

Representação artística do K2-18 b, com sua anã vermelha ao fundo e outro planeta do sistema. Crédito: ESA/Hubble, M. Kornmesser

Há vinte anos, quase no mesmo dia, duas equipes concorrentes de astrônomos descobriram, de forma independente, o primeiro exoplaneta em trânsito conhecido — um mundo que, observado da Terra, passou na frente de sua estrela e projetou uma sombra em direção aos telescópios terrestres. Duas décadas depois, os planetas em trânsitos se tornaram a força vital dos estudos de exoplanetas, revelando milhares de mundos através de telescópios espaciais, como o Kepler da NASA e o Transiting Exoplanet Survey Satellite (TESS), que permitiram aos pesquisadores não apenas medir o tamanho e a órbita de um planeta, mas também a sua densidade e composição de massa. Em resumo, os planetas em trânsito provaram ser os pilares principais da crescente busca pelos “gêmeos” cósmicos da Terra. Em 1999, no entanto, a noção de que essas sombras exoplanetárias poderiam ser detectadas era tão fantástica que a validação exigiu esforços de dois grupos separados.

Agora, uma situação semelhante está acontecendo novamente: duas equipes anunciaram independentemente a descoberta de água — a base da biologia como a conhecemos — na atmosfera de um planeta em trânsito chamado K2-18 b. O planeta orbita a zona habitável de sua estrela, o ponto ideal em que a luz aquece o mundo suficientemente para permitir à água se acumular  e fluir em sua superfície. O resultado, um marco na busca por vida alienígena, anuncia um futuro próximo no qual os astrônomos usarão novos telescópios avançados, na Terra e no espaço, para estudar mais profundamente os planetas promissores para a vida que estão em torno de estrelas vizinhas do nosso Sol.

“Este é o único planeta conhecido fora do Sistema Solar que tem a temperatura correta para ter água, o único que possui uma atmosfera e que possui água”, diz Angelos Tsiaras, astrônomo da University College London e principal autor de um dos estudos, publicado hoje na Nature Astronomy. Tsiaras e seus colegas usaram modelos de computador sofisticados para extrair sinais de vapor de água no K2-18b a partir de dados coletados pelo Telescópio Espacial Hubble, tornando o planeta, segundo ele, “o melhor candidato à habitabilidade” atualmente conhecido.

Os dados do Hubble não revelam muito sobre o volume de água em K2-18b — na atmosfera superior do planeta, um resquício de umidade ou um volume equivalente a um oceano expressariam sinais parecidos. Tsiaras e seus colegas sugerem que o vapor de água pode representar entre 100% a 50% da atmosfera de K2-18b. Para determinar quanta água há lá (assim como outros gases, como metano, dióxido de carbono e amônia), serão necessárias mais observações de banda larga usando futuras instalações espaciais, como o James Webb Space Telescope da NASA, o Atmospheric Remote-sensing Infrared Exoplanet Large-survey (ARIEL) da Agência Espacial Européia, e uma geração nascente de telescópios terrestres extremamente grandes.

O K2-18b é um pouco maior que o dobro do tamanho da Terra, e quase nove vezes mais maciço, provavelmente com um núcleo sólido de rocha ou gelo cercado por um envelope muito espesso de hidrogênio — além de outros gases, que aparentemente incluem vapor de água. Descoberto pelo Kepler em 2015, o mundo se encontra em uma órbita de 33 dias em torno de uma estrela anã vermelha e fria, a cerca de 110 anos-luz de distância, na constelação de Leão. Essa estrela brilha com menos de 3% da luminosidade do nosso Sol, mas, como o K2-18b orbita a uma distância bem curta, o planeta recebe apenas 5% a mais de luz do que o nosso. Devido ao trânsito do planeta, parte dessa luz estelar passa pela região superior de sua atmosfera a caminho dos telescópios daqui, captando e transmitindo informações sobre o coquetel de gases do ar de K2-18b.

Em oito situações diferentes entre 2016 e 2017, uma equipe liderada por Björn Benneke, da Universidade de Montreal, mediu o brilho atmosférico de K2-18b com o Telescópio Espacial Hubble. Os dados do Hubble são frequentemente divulgados ao público assim que são coletados, e essa política permitiu que Tsiaras e seus colegas de trabalho realizassem seus estudos. Assim como o grupo de Tsiaras, a análise da equipe de Benneke sugere a existência de uma fração estatisticamente significativa de vapor de água na atmosfera superior do K2-18b — mas, num achado exclusivo, a equipe argumenta que também há sugestões de gotículas de água líquida condensando mais ao fundo. Ou seja, Benneke e seus colegas relatam evidências de nuvens — e de chuva. O estudo foi publicado no servidor de pré-impressão arXiv.org e foi submetido à revista Astronomical Journal para publicação revisada por pares.

“Ambos os estudos mostram que há uma atmosfera e água neste planeta, o que torna o resultado ainda mais forte”, diz Benneke. “Encontrar vapor de água é ótimo, mas o que é tão especial no K2-18b é que nossos modelos sugerem que partes de sua atmosfera têm temperatura e pressão suficientes para que o vapor forme gotículas de água líquida. E, do mesmo modo que ocorre na atmosfera da Terra, essas gotículas formarão nuvens e cairão como chuva. Como no nosso planeta, deve haver uma interação entre condensação e evaporação, um ciclo ativo da água entre as nuvens e a parte gasosa da atmosfera.”

Benneke especula que a região atmosférica em que as nuvens talvez se formem pode ser relativamente confortável, com uma pressão equivalente a uma atmosfera terrestre e uma temperatura não muito distante da de uma sala de estar típica. “De muitas maneiras, este planeta não é como a Terra, mas em outros aspectos é muito semelhante. Pode não haver uma “superfície” significativa abaixo do espesso envelope de gás. E, mesmo que exista, ela seria submetida a pressões muito altas. É implausível imaginar algo parecido com o ser humano andando por lá — mas talvez algum tipo de micro-organismo extremo possa viver nessas nuvens de água.”

COM NUVENS E CHANCES DE HABITABILIDADE

Alguns pesquisadores chamam o K2-18 b e planetas similares de “super-Terras”; outros preferem chamá-los de “mini-Netunos”. Mas, independentemente da nomenclatura, o fato mais óbvio sobre esses objetos é que nenhum deles orbita nosso Sol, apesar de ser o tipo planetário mais abundante na Via Láctea. Atualmente, tudo o que realmente sabemos sobre eles vem de estudos extra-solares. E, até agora, esses estudos mostram que a maioria desses planetas, com tamanhos que ficam entre a Terra e Netuno, não é muito parecida com nosso mundo.

“Gosto de chamá-los de planetas ‘híbridos’, mundos com núcleos rochosos e envelopes grossos de hidrogênio”, diz Benneke. “Não é uma rocha desprotegida com uma atmosfera fina como a Terra, mas também não é um planeta gigante como Netuno ou Júpiter.”

Uma característica atrativa sobre estudar esses mundos intermediários — muitos dos quais já estão sendo descobertos pela missão TESS, ainda em andamento — é a possibilidade de que eles revelem algo fundamental sobre como planetas de todos os tamanhos surgem.

“Acreditamos que, em planetas com cerca de 1,8 vezes o tamanho da Terra, ocorre uma transição de mundos rochosos para mundos gasosos”, diz Laura Kreidberg, astrônoma do Centro de Astrofísica da Universidade de Harvard e do Instituto Smithsonian (CfA), que não esteve envolvida nos estudos. “O K2-18b está próximo dessa fronteira, então esses estudos estão nos dando uma primeira visão sobre a atmosfera de um mundo próximo dessa transição.”

Nikole Lewis, astrônoma da Universidade de Cornell, que também não participou de nenhum dos trabalhos, observa que essa não é a primeira vez que sinais de vapor de água, nuvens e talvez até chuva são vistos em planetas fora do Sistema Solar. Mas essas descobertas anteriores vieram de primos maiores e mais quentes do K2-18b em torno de outras estrelas — mundos que estão mais próximos da categoria “Netuno” na escala planetária. “O K2-18 b representa um grande passo no caminho para investigar planetas mais frios e menores”, diz ela. “Ele tem o potencial de nos informar sobre como as atmosferas se formam e evoluem para os planetas na zona habitável ao redor de estrelas anãs vermelha, o que será importante para entender a habitabilidade potencial de planetas menores do que a Terra”.

Mais importante ainda, o vapor de água encontrado em K2-18b seria a melhor evidência ainda de que pequenos planetas nas zonas habitáveis de anãs vermelhas podem possuir atmosferas. Em alguns aspectos, anãs vermelhas podem causas danos grandes apesar do tamanho diminuto, emitindo quantidades de radiação que deterioram atmosferas e atingem o pico no início da vida das estrelas, exatamente quando os planetas recém-nascidos podem ser mais vulneráveis. E os poucos estudos anteriores do Hubble sobre minúsculos mundos próximos a anãs vermelhas têm sido desanimadores: tentativas de estudar as supostas atmosferas de vários planetas potencialmente habitáveis que transitam por uma anã vermelha chamada TRAPPIST-1 forneceram resultados inconclusivos. E uma sonda mais recente do LHS 3844 b, um mundo em trânsito de anãs vermelhas com um terço de tamanho maior do que a nossa, sugeriu que o planeta pode muito bem não ter nenhum ar.

“A grande maioria dos espaço habitáveis no Universo pode estar em torno de anãs vermelhas, porque elas são as estrelas mais comuns e têm vários planetas rochosos muito próximos”, diz Nicolas Cowan, astrônomo da Universidade McGill, que não participou em nenhum dos novos artigos. “Depois que o estudo que mostra o LHS 3844 b parece ser uma rocha seca e árida, alguns de nós começaram a ficar preocupados. Talvez os mundos das anãs vermelhas se tornassem uma distração sem resultados para a astrobiologia.”

Essa preocupação é a razão pela qual o K2-18b é “uma grande coisa”, diz Cowan, apesar de seu estado distintamente “não-terrestre” e um tanto hostil. “Isso sugere que os imóveis planetários mais comuns do universo também podem ser habitáveis — não apenas nas atmosferas, mas também no vapor de água”.

Mesmo assim, nem todos estão convencidos de que as reivindicações de vapor de água são mais do que “mera conversa”. “A significância estatística da detecção reivindicada não é forte”, diz David Charbonneau, astrônomo da CfA e um dos responsáveis pela descoberta do primeiro planeta em trânsito, em 1999. Ao contrário daquela descoberta, que foi baseada em dois conjuntos de dados distintos, a nova descoberta foi o compartilhamento de apenas um conjunto de dados entre as duas equipes — e dados coletados pelo Hubble, que nunca foi projetado para realizar medições tão delicadas e desafiadoras. “Sim, é sugestivo”, diz Charbonneau. “Mas os astrônomos estudam planetas em trânsito há 20 anos, então acho que já passamos da época dos estudos apenas “sugestivos”.

Lee Billings

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