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Astrônomos detectam objeto misterioso que “liga e desliga” emissões de ondas de rádio

Durante as observações, o objeto misterioso emitia ondas de rádio três vezes por hora, com duração de um minuto. Cientistas ainda não puderam classificá-lo.
Objeto misterioso pode ser magnetar.

Ilustração artística de como seria o objeto misterioso, se fosse uma magnetar de período ultra-longo. É possível ver dois jatos de emissão radioativa, em cima e abaixo da estrela. Crédito: ICRAR

Astrônomos encontraram um objeto incomum, com um comportamento de emissão de ondas de rádio diferente de todas as outras classes astronômicas já detectadas. Durante algumas horas de observação, o objeto foi capaz de intensas emissões que duravam aproximadamente um minuto, tornando-o uma das fontes de rádio mais brilhantes do céu noturno. Em seguida, as emissões eram interrompidas, e retornavam após 18 minutos

O objeto misterioso foi descoberto por uma equipe de astrônomos mapeando emissões de rádio no Centro Internacional de Pesquisa em Radioastronomia (ICRAR, na sigla em inglês), da Universidade de Curtin, usando o radiotelescópio Murchison Widefield Array (MWA), no interior da Austrália. O estudo ligado à descoberta foi publicado na revista Nature, no fim de janeiro. 

“Esse objeto estava aparecendo e desaparecendo ao longo de algumas horas durante nossas observações”, afirma Natasha Hurley-Walker, astrofísica do centro e líder da equipe. “Isso era completamente inesperado. É meio assustador para um astrônomo, porque não existe nada conhecido no céu que faça isso”. Ela adiciona também que o objeto misterioso está a apenas 4000 anos-luz da Terra, “no nosso quintal galáctico”.

No rastro de estrelas

O grupo acredita que ele pode ser uma estrela de nêutrons ou uma anã branca — objetos formados após o colapso de diferentes tipos de estrelas. Entretanto, seu comportamento é diferente de todos os outros objetos conhecidos nestas classes.

Ainda assim, objetos que ligam e desligam suas emissões — ou brilham durante um período curto de tempo — não são uma novidade na astronomia. Eles são chamados de “transientes” e geralmente são classificados de acordo com a duração de suas emissões.

Transientes lentos têm emissões longas, como supernovas. Essas explosões estelares surgem no céu rapidamente, aumentando seu brilho durante alguns dias e desaparecem ao longo dos meses seguintes — para nunca mais voltar.

Já os transientes rápidos produzem emissões mais curtas, que tendem a aparecer e desaparecer. Um exemplo seriam pulsares, um tipo de estrela de nêutrons que gira rapidamente e emite grandes quantidades de radiação em jatos em direções específicas(como mostra a imagem). 

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Apesar de as detectarmos “piscando” aqui da Terra, esse tipo de estrela emite radiação de forma constante. Mas, conforme gira, ela pode posicionar-se de forma que suas emissões interceptem nossos detectores. Em seguida, ela pode sair dessa posição, interrompendo a recepção e gerando sua característica transiente, de “pulsos”.

Mesmo que o objeto misterioso descoberto pela equipe seja semelhante a uma pulsar, suas emissões são muito mais lentas: enquanto uma pulsar normal geralmente “pisca” a cada 1 ou 2 segundos, de acordo com seu ciclo de rotação, as emissões objeto misterioso duravam cerca de um minuto — algo muito incomum

“É empolgante que a fonte que eu identifiquei ano passado é, na verdade, um objeto tão peculiar”, disse Tyrone O’Doherty, membro da equipe. Ele é um estudante de pós-graduação na Universidade de Curtin e foi o primeiro a detectar o objeto. “O campo de visão extenso do MWA e sua sensibilidade extrema são perfeitos para sondar todo o céu e detectar o inesperado”.

Identificado o emissor?

Além da frequência peculiar de emissões, Gemma Anderson, astrofísica do ICRAR-Curtin e coautora do trabalho, chama atenção para outras características: seu brilho incomumente alto e seu tamanho — menor que o nosso Sol. As ondas de rádio recebidas também eram altamente polarizadas — processo pelo qual a radiação eletromagnética, que geralmente oscila em todas as direções, passa a oscilar em somente algumas delas — indicando que o campo magnético do emissor era extremamente forte

Segundo Hurley-Walker, essas características condizem com um objeto astronômico previsto somente em teoria, mas nunca observado: uma “magnetar de período ultra-longo”. Magnetars são uma classe de estrelas de nêutrons ainda mais magnéticas. “É um tipo de estrela de nêutrons que gira lentamente, e teve sua existência prevista na teoria”, explica ela. “Mas ninguém esperava detectar uma como esta, porque não esperávamos que elas pudessem ser tão brilhantes. De alguma maneira, ela está convertendo energia magnética em ondas de rádio de forma muito mais efetiva do que qualquer outro objeto já observado”.

Outra teoria proposta pela equipe é que o objeto misterioso poderia ser uma estrela anã branca, emitindo radiação em jatos de forma semelhante a uma pulsar — ainda que com velocidade de rotação muito menor

Vídeo produzido pela equipe do ICRAR mostrando a maneira como os “pulsos” de uma pulsar normal são detectados da Terra, e as duas possibilidades de classificação para o objeto misterioso (magnetar de período ultra-longo e anã branca), finalizando com a chegada de suas ondas de rádio às instalações do MWA. Crédito: ICRAR

Em busca de mais evidências

Atualmente, Hurley-Walker está monitorando o local em que o objeto foi localizado com o MWA, na esperança de que ele volte a emitir ondas de rádio. “Se ele voltar, existem telescópios por todo o Hemisfério Sul, e até em órbita, que podem apontar direto para ele”, afirma ela. 

A pesquisadora também busca novas emissões similares, para que esses objetos misteriosos possam ser estudados em mais detalhes. “Mais detecções dirão aos astrônomos se isso foi um evento raro e único ou uma população vasta [de objetos] que nunca antes notamos”, explica ela. 

“O fato que pudemos coletar e armazenar todos os dados produzidos pelo MWA ao longo da última década no Centro Pawsey de Pesquisa de Supercomputação [Austrália] foi uma peça chave para a descoberta deste objeto”, afirma Steven Tingay, diretor do MWA. “Ser capaz de recuperar um conjunto de dados tão grande ao encontrar um objeto é algo bastante único na astronomia”.

MWA.

Parte do radiotelescópio Murchison Widefield Array. Crédito: Pete Wheeler/ICRAR

Radiotelescópios futuros, como o Square Kilometre Array (SKA, na sigla em inglês, ou “Leque de Quilômetro [Um] Quadrado”, em tradução livre) — uma iniciativa global para construção do maior radiotelescópio do mundo, que deve ficar pronto em 2024 — poderão ajudar ainda mais em estudos como esse. “Existem, sem dúvida nenhuma, muitas mais gemas a serem descobertas pelo MWA e SKA nos próximos anos”, disse Tingay. 

Publicado em 03/02/2022.

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