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Astronautas vão usar esses trajes espaciais no retorno à Lua — e talvez em Marte, também

Esses trajes espaciais, providos pelas empresas Axiom Space e Collins Aerospace, serão usados nas futuras missões lunares Artemis da Nasa e protegerão os viajantes espaciais de micrometeoróides, poeira lunar e até mesmo vômito.

Ilustração artística de dois tripulantes trabalhando na superfície lunar com seus trajes espaciais. O astronauta na esquerda levanta uma rocha para examiná-la enquanto o da direita fotografa o local de coleta ao fundo. Crédito: Nasa

Mais cedo ou mais tarde, humanos irão botar os pés na Lua novamente — talvez ainda no meio desta década, se o programa Artemis da Nasa progredir como o planejado. E, além disso, missões tripuladas estatais e privadas para Marte nos anos 2030 e 2040 não mais parecem ficção científica. Mas o que os astronautas estarão vestindo quando derem os primeiros passos em outros mundos? 

A busca por foguetes enormes e espaçonaves futuristas para o programa Artemis foi a dificuldade mais conhecida que a Nasa teve de superar, mas seus esforços para projetar novos trajes espaciais para a Lua provaram-se igualmente desafiadores. 

Desde 2007, a agência espacial gastou um valor estimado em US$ 420 milhões em novos projetos de trajes espaciais sem nem mesmo usá-los em campo. Finalmente, depois de todas essas tentativas fracassadas, no último mês, a Nasa anunciou que optou por terceirizar esse trabalho e selecionou duas empresas para criar a próxima coleção de alta costura para a fronteira final. 

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Essas empresas — Axiom Space, do Texas, e Collins Aerospace, na Carolina do Norte — irão desenvolver de forma independente novos trajes espaciais como parte do contrato de Serviços de Atividade Extraveicular Exploratória (xEVAS) da Nasa. A agência estabeleceu um orçamento total de US$ 3,5 bilhões até 2034 para o seu trabalho combinado, e planeja comprar os trajes das duas empresas como um serviço, o que as deixaria livres tanto para fabricar como para vender trajes adicionais para outras missões comerciais fora da Nasa. 

Após demonstrações dos trajes na órbita terrestre, eles serão usados para o primeiro pouso da missão Artemis, atualmente planejado para 2025. Essa missão, nomeada Artemis III, incluirá dois astronautas, um homem e uma mulher, que se vestirão com trajes de uma das duas empresas para se aventurar na superfície lunar. A empresa que não for escolhida para esse primeiro pouso será a fornecedora de trajes para missões Artemis posteriores. 

“É um dia histórico para nós”, disse Vanessa Wyche, diretora do Centro Espacial Lyndon B. Johnson, da Nasa, em um comunicado de imprensa anunciando os planos no dia primeiro de junho. “Faremos história com esses novos trajes quando chegarmos à Lua.”

Desenvolvimento conturbado de trajes espaciais

A escolha desses duas empresas ocorreu depois de um chamado de 2021 da Nasa para novas propostas de trajes espaciais, considerando que o traje da Unidade de Movimentação Extraveicular (EMU) usado na Estação Espacial Internacional (ISS) é muito desajeitado e rígido para incursões na superfície lunar. 

Mais de 40 empresas demonstraram interesse, incluindo a SpaceX e a Blue Origin, mas apenas a Axiom e a Collins enviaram propostas finalizadas até o encerramento do prazo em dezembro de 2021. Em um comunicado de seleção de provedor divulgado no final de junho, a Nasa fez boas avaliações tanto para o traje da Axiom, chamado AxEMU, como para o traje ainda sem nome proposto pela Collins. 

Essa parceria público-privada propositalmente irá permitir que ambas as fabricantes de trajes também ofereçam seus serviços fora da agência espacial — potencialmente para visitantes em estações espaciais privadas, como a que a Axiom atualmente está desenvolvendo. “A Axiom usará o AxEMU para ajudar todos os nossos clientes”, afirma Mark Greeley, gerente de programa do xEVAS da Axiom. “O AxEMU é capaz de tolerar caminhadas espaciais em qualquer ambiente escolhido por nossos clientes”, afirma ele. 

A Collins está planejando o mesmo. “Não queremos que [os trajes] sejam apenas um design sob medida para Nasa”. afirma Dan Burbank, funcionário de tecnologia sênior na Collins e ex-astronauta. “Eles devem ser um traje comercialmente apropriado que também satisfará as necessidades de astronautas da iniciativa privada.”

Funcionários realizam testes de mobilidade para um protótipo do traje da Collins Aerospace em uma instalação da empresa. Crédito: Collins Aerospace

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Chegar até esse estágio foi um processo árduo. Em 2012, a Nasa revelou seu protótipo de traje Z-1, que possuía um design verde e branco que poderia deixar os caminhantes lunares parecendo com o Buzz Lightyear. Ele foi posteriormente reprojetado como o traje Z-2, mas seu desenvolvimento empacou. Em 2019, a Nasa apresentou sua tentativa de design direcionada para as missões Artemis, chamada de Unidade de Movimentação Extraveicular Exploratório (xEMU), no entanto, uma auditoria feita pelo Escritório de Inspeção Geral da agência descobriu que os trajes não estariam prontos para os pousos da missão; citou-se problemas persistentes com questões monetárias e técnicas. 

“Havia uma preocupação que esse seria um processo eterno e insustentável”, afirma Cathleen Lewis, historiadora espacial no Museu Nacional do Ar e do Espaço em Washington, D.C. Ainda assim, isso não significa que as tentativas internas da Nasa serão descartadas — tanto a Axiom como a Collins terão acesso aos trabalhos anteriores. “Eles podem decidir o quanto querem usar dos projetos da Nasa”, afirma Lara Kearney, gerente do Programa de Mobilidade Humana Superficial e Atividade Extraveicular no Centro Espacial Lyndon B. Johnson da Nasa, no Texas. 

Os designs específicos das duas empresas ainda não foram revelados. No entanto, o processo de seleção prescreveu que ambas tinham que mostrar que seus trajes cumpriam cerca de 80 requisitos estabelecidos pela Nasa. “Fora isso, deixamos a critério das empresas decidir a aparência de seu design”, afirma Kearney.

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Esses requerimentos estão relacionados com os objetivos únicos das missões Artemis e suas diferenças com as missões Apollo dos anos 1960 e 1970. Os astronautas da Artemis passarão mais tempo que seus predecessores na superfície lunar e irão explorar locais mais diversos, incluindo as profundezas escuras de crateras que podem conter gelo de água. 

Essas aspirações requerem mais mobilidade que os trajes do programa Apollo que andavam e escalavam desajeitados — e mais adaptabilidade também: em vez de se encaixar em um grupo de caminhantes lunares totalmente masculino (e totalmente branco também), os novos trajes devem responder às necessidades das tripulações de astronautas muito mais diversas da Nasa atual. “Precisamos pensar na diversidade”, afirma Amy Foster, historiadora espacial na Universidade da Flórida Central. “Eu não quero que ninguém seja excluído de uma oportunidade de voar com a Artemis porque seu tipo corporal não se encaixa no traje.”

Trajes espaciais versáteis e feitos para durar

Pelos requerimentos, os trajes precisam durar por pelo menos seis incursões por missão. Ocorrerá pelo menos uma por dia, e elas devem durar mais de oito horas. Os astronautas devem ser capazes de entrar e sair dos trajes sem ajuda, e o tempo total de preparação para se aventurar na área externa de um veículo de pouso ou habitat não deve ser maior que 90 minutos. 

Tanto a Axiom como a Collins estão projetando seus trajes com um acesso por trás em mente. Isso significa que, em vez de colocar o traje dentro de uma câmera de descompressão e depois sair da espaçonave — como é feito nos trajes espaciais atualmente empregados na ISS — esses novos designs podem ser acoplados externamente em uma câmera de descompressão da Nasa ainda em fase de protótipo, chamada de suit port (“porta de trajes”). 

“Poderíamos literalmente andar de costas em uma escotilha, conectar a porção externa do nosso [traje] nessa estrutura e então abrir a escotilha”, afirma Burbank. Isso ajuda a reduzir a quantidade de regolito (ou pó) lunar potencialmente prejudicial que é trazido para dentro. Usar um suit port “elimina o perigo do regolito”, afirma Burbank. “Nenhuma parte do exterior do traje toca o interior da espaçonave.”

Trajes espaciais.

Ilustração artística do traje espacial da Axiom Space, chamado Unidade de Movimentação Extraveicular (AxEMU), atualmente sendo desenvolvido em Houston, Texas. Crédito: Axiom Space

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Corroborando, em parte, com o objetivo da Nasa para que a missão Artemis envie os primeiros astronautas não brancos e as primeiras mulheres para a Lua, os novos trajes devem, em um certo sentido, também ser de “tamanho único” — capazes de usos intercambiáveis entre múltiplas missões por um grupo diverso de exploradores com grande variedade de tipos físicos. Cada traje deve permitir que 90% da população masculina e feminina os vistam, o que inclui qualquer pessoa de no mínimo 1,5 m e no máximo 1,9 m, com um peso entre 42 kg e 110 kg. 

“A Nasa tentou criar uma caminhada espacial só de mulheres [em 2019] e eles tiveram que adiá-la diversas vezes porque não tinham os trajes de tamanho adequado”, afirma Michael Lye, designer de trajes espaciais na Escola de Design de Rhode Island. “Esses novos trajes feitos pela Axiom e pela Collins acomodarão uma variedade muito maior [de pessoas].” Como exatamente as empresas planejam cumprir esse requerimento ainda não foi revelado.

Outro objetivo crucial para as missões Artemis é coletar muitas amostras para estudos subsequentes. Os trajes devem ter acessórios para alcançar essa meta, incluindo martelos, rodos, cinzéis e lanternas de mão. Eles também devem ser extremamente manobráveis e precisam incorporar um torso e articulações dobráveis que irão permitir que astronautas se movam de forma natural pelas acidentadas paisagens lunares de baixa gravidade. 

“Durante os dias das Apollo, não podíamos mover nossa cintura no sentido contrário de nossos ombros”, afirma Burbank. “Você literalmente não poderia tirar seu quadril de alinhamento com seus ombros. Com esses trajes espaciais, isso é possível.” Os trajes também terão um peso menor que os designs da era Apollo, tornando-os mais fáceis de usar por longos períodos. “Eu já fiz flexões no novo traje”, disse Burbank. “Isso seria inimaginável nos que temos atualmente.”

Águas inexploradas

A Nasa possui diversos outros padrões de qualidade para os trajes, alguns deles inéditos. Eles não podem expor os astronautas a sons acima 115 decibéis, um barulho comparável a um assoprador de folhas. Eles devem ser resistentes o suficiente para diminuir a chance de que um micrometeoróide penetre o exterior para apenas 1 em 2.500. 

Inspirados pelo desenrolar cerimonial da bandeira dos EUA feitos por cada conjunto de caminhantes lunares das Apollo (e a dificuldade de martelar as hastes no terreno lunar surpreendentemente rígido), os trajes devem incluir ferramentas para ajudar os membros da tripulação das Artemis a carregar e plantar suas bandeiras. E, revirando o estômago, os trajes devem ser capazes de limpar de alguma forma até meio litro de vômito dos olhos, nariz e boca dos exploradores, no caso deles regurgitarem dentro do seu capacete. 

Trajes espaciais.

Ilustração do visual de um astronauta em um traje espacial da Collins Aerospace na superfície lunar. Crédito: Collins Aerospace

Os trajes também devem manter-se funcionais depois de serem abandonados na superfície lunar — inicialmente por 210 dias de acordo com os requerimentos da Nasa, mas eventualmente por períodos de até três anos. Isso poderia permitir que astronautas em futuras missões espaciais revisitem locais de pousos anteriores e reusem os trajes deixados para trás, em vez de ter que trazer os seus próprios.  “Dependendo dos locais de pouso, poderíamos ir até eles e reusá-los”, afirma Kearney. 

Tanto a Axiom como a Collins também estão procurando por tecnologias adicionais para incluir no interior dos trajes, como visores digitais dentro do capacete. “Nossa visão é mostrar informações aos tripulantes sobre a saúde do traje, sua própria saúde [e a de seus colegas], o caminho até seu rover, e todo esse tipo de dados”, afirma Burbank. “Você teria a habilidade de inserir imagens infravermelhas também.”

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Talvez ainda mais importante é que os trajes devem ser projetados para uma nova era ousada de exploração lunar. As missões Apollo focaram, de forma conservadora, nas regiões equatoriais iluminadas pelo Sol próximas ao lado da Lua, mas as missões Artemis adentrarão locais mais arriscados no polo sul da Lua. 

Nesses locais, os astronautas podem explorar algumas das regiões permanentemente em sombra da Lua (PSRs, em inglês) — crateras anguladas de maneira que a luz solar nunca atinge suas profundezas. Dentro, as temperaturas podem cair para -240°C, duas vezes mais frio que as temperaturas registradas em outros locais da Lua durante a noite lunar de duas semanas de duração. 

Observações na órbita lunar mostraram que as PSRs são provavelmente ricas em gelo de água, congelado na superfície ou misturado no solo lunar, que poderia ser acessado e usado para água potável ou combustível de foguetes. A Nasa requer que os novos trajes possam operar nesses locais congelantes por pelo menos duas horas, o que dará aos astronautas a chance de analisar essas regiões. 

“Há centenas de milhares de toneladas de gelo de água enterrados em profundidades relativamente rasas no polo sul [da Lua]”, afirma Burbank. “É essencial que encontremos água para a presença humana na Lua. Então precisaremos de trajes espaciais para realmente fazer a extração desses recursos.”

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Não é apenas na Lua em que astronautas podem empregar essas vestimentas. De acordo com as instruções da Nasa, ambos estão sendo projetados com futuras modificações para eventuais missões para Marte em mente. “O AxEMU é intensamente arquitetado para suportar [atividade extraveiculares] em Marte”, afirma Greeley, notando que, ainda que “falte algum desenvolvimento”, a empresa já está investigando como lidar com a atmosfera tênue desse planeta e seu campo gravitacional substancial. 

Em primeiro lugar, no entanto, haverá uma corrida frenética (ainda que metódica) para preparar as variantes lunares dos trajes para o primeiro e tão esperado pouso lunar da missão Artemis. Atrasos de desenvolvimento com os foguetes necessários podem adiar o prazo para depois de 2025, é claro — o que poderia ser ainda melhor, porque preparar trajes tão ambiciosos em um tempo curto parece, ao menos, desafiador. 

“Há muito trabalho pela frente”, afirma Lewis. Mas quando humanos voltarem a botar os pés na Lua, esse trabalho deve garantir que eles terão belas novas vestimentas para fazê-lo, incluindo o sistema de remoção de vômito.

Jonathan O’Callaghan

Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 14/07/2022; aqui em 22/07/2022.

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