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Árvores conseguem aprender e lembrar de coisas, defende famosa ecologista em novo livro

Pesquisa de Suzanne Simard sugere que plantas trocam nutrientes e informações, e são capazes até de interagir especificamente com outras da mesma "família"
Suzanne Simard, autora do livro Finding the Mother Tree: Discovering the Wisdom of the Forest, cobre árvores-mãe

Suzanne Simard, autora do livro Finding the Mother Tree: Discovering the Wisdom of the Forest, sobre árvores-mãe e a importância de ajudarmos em sua sobrevivência.

Poucos pesquisadores tiveram o mesmo impacto cultural de Suzanne Simard. A  ecologista da Universidade da Columbia Britânica foi uma inspiração para Richard Powers criar a personagem Patricia Westerford, polêmica cientista que protagoniza seu livro The Overstory, obra vencedora do prêmio Pulitzer no ano de 2019. O trabalho de Simard ainda ajudou James Cameron a elaborar a “Árvore da Vida” no filme campeão de bilheteria Avatar, lançado em 2009. Além disso, sua pesquisa também teve destaque no best-seller de não-ficção do engenheiro florestal alemão Peter Wohlleben, A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam, de 2016.

A descoberta de que árvores são, na verdade, seres sociais, foi o que chamou a atenção do público. Segundo os estudos da ecologista, elas trocam nutrientes entre si e mantém uma comunicação umas com as outras sobre possíveis ameaças ambientais, como pragas que podem atacá-las, de modo a se sempre se ajudarem a sobreviver.

Anteriormente, outros pesquisadores da área já haviam buscado  entender o que acontece com as plantas acima do solo, mas Simard usou isótopos radioativos de carbono para rastrear como as árvores realizam esse  compartilhamento de recursos e informações por meio de uma intrincada rede  interconectada de fungos micorrízicos, que colonizam as raízes das árvores. Em um trabalho mais recente, ela encontrou evidências de que as árvores reconhecem sua própria família, sendo bastante generosa com ela, especialmente em relação àquelas mudas mais vulneráveis.

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No primeiro livro de Suzanne Simard, intitulado Finding the Mother Tree: Discovering the Wisdom of the Forest, ela argumenta que florestas não são um conjunto de organismos isolados, e sim uma rede de relações em constante desenvolvimento. Os humanos têm buscado desvendar esse processo há anos, diz ela,  através de práticas destrutivas como corte raso e supressão com fogo. Agora, no entanto, estamos fazendo  com que as mudanças climáticas avancem mais rápido do que as árvores conseguem se adaptar, levando à morte de espécies e a um forte aumento nas infestações por pragas como os besouros de casca de árvore, que devastaram florestas em todo o oeste da América do Norte.

Segundo Simard, as pessoas têm a capacidade de realizar muitas ações para ajudar as florestas – o maior escoadouro  de carbono terrestre do mundo – a se recuperar e, consequentemente, diminuir o aquecimento global. Entre suas ideias menos convencionais está o papel central desempenhado pelos antigos gigantes, as “árvores-mãe”, no ecossistema e nossa necessidade de protegê-los zelosamente.

[Segue abaixo uma transcrição editada e traduzida da entrevista feita pela Scientific American com Suzanne Simard ]

Finding the Mother Tree book cover.
Crédito: Knopf

Muita gente pode se surpreender com fato de você ter vindo de uma família de lenhadores, que não é exatamente um grupo que ama árvores. Como sua infância na região rural da Columbia Britânica preparou você para a carreira de cientista? 

Ao passar tanto tempo na floresta, como fiz na minha infância, você percebe como tudo está entrelaçado e se sobrepõe, as coisas crescem lado a lado. Para mim, sempre foi um lugar incrivelmente conectado, embora eu não fosse capaz de articular esse pensamento quando criança.

Na Columbia Britânica atual, lenhadores sacrificam bétulas e árvores de folhagens largas, pois essa vegetação  compete pela luz solar e por nutrientes com os abetos que são explorados por eles. Como uma jovem cientista governamental, você descobriu que a bétulas alimentavam os abetos com suas sementes, mantendo-os vivos.

Sim. Eu fui designada para descobrir o motivo pelo qual alguns abetos nas plantações de árvores não estavam indo tão bem como aqueles jovens e saudáveis de florestas naturais. Quanto mais as bétulas sombreavam as mudas de abetos de Douglas, maior era a quantidade de carbono, na forma de açúcares fotossintéticos, fornecida pelas bétulas por meio da rede micorrízica subterrânea.

Além disso, as bétulas contêm enormes quantidades de nitrogênio. Este, por sua vez, serve como apoio para bactérias responsáveis por fazer o ciclo de nutrientes, criar antibióticos e produzir outros compostos químicos no solo para combater agentes patógenos e colaborar no balanceamento do ecossistema.

Mas as bactérias do solos não criam antibióticos para elas mesma, em vez de para as árvores? Como sabemos que elas ajudam as árvores?  

A bétula fornece carbono e nitrogênio ao solo, ambos exsudados pelas raízes e micorrizas. Isso fornece energia para que as bactérias do solo cresçam. Uma espécie de bactéria que cresce na rizosfera das raízes de bétula é uma pseudomônia fluorescente. Eu conduzi estudos laboratoriais para mostrar que esta bactéria, ao ser banhada no Armillaria ostoyae, fungo patogênico que ataca abetos e em menor extensão a bétula,  inibe o crescimento deste último.

Você também descobriu que bétulas fornecem moléculas de açúcar para árvores de abetos durante o verão através das redes micorrizas e que os abetos retornam o favor ao alimentarem as bétulas nos meses de outono e primavera, quando lhe faltam folhas.

Isso não é incrível? Alguns cientistas estavam tendo problemas com isso: por que uma árvore enviaria açúcar fotossintético para outras espécies? Mas, para mim, era óbvio. Elas sempre ajudam umas as outras a criar uma comunidade saudável com beneficio para todos.

Você está dizendo que as comunidades da floresta são, em alguns aspectos, mais igualitárias e mais eficientes do que a nossa própria sociedade? Há alguma lição a ser aprendida aqui?

Exatamente, elas promovem a diversidade. Estudos mostram que a biodiversidade leva à estabilidade e resiliência. E é fácil ver por quê. É um sistema sinérgico. Por exemplo, existe uma planta com alta capacidade fotossintética e alimenta todas essas bactérias do solo que fixam nitrogênio. Enquanto isso, há essa outra planta com raízes profundas. Ela desce e traz água, que compartilha com a planta fixadora de nitrogênio, pois esta precisa de muita água para realizar suas atividades. Então, de repente, toda a produtividade do ecossistema aumenta.

Isso acontece porque as espécies ajudam umas as outras? 

Sim, esse é um conceito importante que todos nós precisamos apresentar e adotar. É aquele que nos escapou.

Dessa maneira, a cooperação é igualmente importante, senão mais importante do que a competição. Precisamos revisar nossas visões sobre como a natureza opera?

Penso que precisamos. Charles Darwin também entendia a importância da cooperação. Ele sabia que as plantas viviam juntas em comunidade, e escreveu sobre isso.  Porém, essa questão nunca recebeu tanta atenção quando seus trabalhos sobre a seleção natural baseada na competição.

No dias de hoje, nós estudamos  coisas como o genoma humano e percebemos que boa parte do nosso DNA tem origem viral ou bacteriana. Agora sabemos que somos consórcios de espécies que evoluíram juntas. Esse pensamento está se tornando mais popular. Da mesma forma, florestas são organizações multiespécies. Culturas aborígenes já tinham conhecimento sobre a existência e complexidade dessas relações e interações. Nem sempre tivemos uma abordagem tão reducionista. É algo que a ciência ocidental nos trouxe.

Você quer dizer que a ciência ocidental se concentrou muito no organismo individual e não o suficiente no funcionamento da comunidade de modo mais amplo?

Sim, mas também acho que houve uma progressão da ciência. Começamos de uma maneira muito simples: começamos olhando para organismos individuais, depois para espécies separadas. Em seguida, passamos a observar comunidades de espécies e, em sequência, ecossistemas. E, por fim, prestamos atenção aos níveis ainda mais elevados de organização. Portanto, a ciência ocidental passou do simples ao complexo. Isso mudou naturalmente à medida que nos tornamos mais sofisticados. Tornou-se mais holístico.

O uso da palavra “inteligente” para descrever árvores é controverso. Mas parece que você está fazendo uma afirmação ainda mais radical – que existe uma “inteligência” no ecossistema como um todo.

Você disse a palavra “controverso” pois usei um termo humano para descrever um sistema altamente evoluído. Ele, na verdade, tem estruturas que são muito semelhantes ao nosso sistema nervoso central. Não são cérebros, mas possuem todas as características da inteligência: os comportamentos, as respostas, as percepções, o aprendizado, o arquivamento da memória. E o que está sendo enviado por essas redes são [produtos químicos] como o glutamato, um aminoácido que também serve como neurotransmissor em nosso cérebro. Eu chamo o sistema de “inteligente” porque é a palavra mais análoga que posso encontrar para descrever o que estou vendo.

Algumas pessoas desafiam o seu uso de palavras como “memória”. Que evidência temos de que as árvores realmente “lembram” do que aconteceu com elas?

A memória de eventos passados ​​é armazenada nos anéis das árvores e no DNA das sementes. A largura e a densidade dos anéis das árvores, bem como a abundância natural de certos isótopos, guardam as memórias das condições de crescimento dos anos anteriores,  se foi um ano chuvoso ou seco, se havia árvores próxima, ou se elas tinham caído, criando mais espaço para outras crescerem mais rápido. Nas sementes, o DNA evolui por meio de mutações e da epigenética, refletindo mudanças nas condições ambientais como adaptações genéticas.

No seu livro está escrito: “Aprendi muito mais ouvindo do que ao impor minha vontade e exigir respostas”. Você pode falar sobre isso?

Por sermos cientistas, somos muito bem treinados. E, assim, as condições podem ser bastante inflexíveis. Existem projetos experimentais muito rígidos. Eu não podia simplesmente ir e observar as coisas direto. Não publicariam meu trabalho, então tive de usar esses projetos experimentais. Mas minhas observações sempre foram tão importantes para mim por ter feito as perguntas que fiz. Elas sempre vieram de como eu cresci, via a floresta e do que eu observava.

Seu último trabalho de pesquisa mais recente é chamado de Projeto Árvore-Mãe. O que são “árvores-mãe”?

As árvores-mãe são as maiores e mais antigas da floresta. Elas são a cola que mantém a floresta unida e possuem os genes de climas anteriores. Essas árvores-mãe são o lar de várias criaturas, de uma enorme biodiversidade. Por meio de sua enorme capacidade fotossintética, elas fornecem alimento para toda a vida presente solo.  Além disso, “árvores-mãe” mantêm o carbono no solo e na superfície e conservam também o fluxo de água, Ajudando, assim, a floresta a se recuperar de perturbações. Não podemos nos dar ao luxo de perdê-las.

O Projeto Árvore-Mãe está tentando aplicar esses conceitos em florestas reais para que possamos começar a manejar sua resiliência, biodiversidade e saúde, reconhecendo que realmente as levamos à beira do colapso com as mudanças climáticas e a exploração excessiva. Atualmente, estamos trabalhando em nove florestas que abrangem uma faixa de 900 quilômetros da fronteira dos EUA com o Canadá no Fort St. James, que fica na metade da Colúmbia Britânica.

Patricia Westerford, a personagem de The Overstory que foi inspirada por você, às vezes fica desesperada. Você também se desamina?

Claro que sim. Mas não tenho tempo para isso. Quando comecei a estudar sistemas florestais, percebi que, devido ao modo como estão organizados, podem se recuperar muito rapidamente. Você pode empurrá-los até o ponto de colapso, mas eles têm uma grande capacidade de absorção. A natureza é brilhante, certo?

No entanto, a diferença agora é que, com as mudanças climáticas, precisaremos ajudar um pouco a natureza. Teremos que garantir que as árvores-mãe estejam lá para ajudar a próxima geração a surgir. Teremos que mover alguns genótipos pré-adaptados a um clima mais quente para florestas mais ao norte ou de maior altitude ,que estão se aquecendo rapidamente. A velocidade da mudança climática é muito mais maior do que a velocidade com que as árvores podem migrar por conta própria ou se adaptar.

Não há risco de mover sementes de um ecossistema para outro?

Embora a regeneração de sementes adaptadas localmente seja melhor, as mudanças climáticas acontecem tão rapidamente que as florestas precisarão de ajuda para sobreviver e se reproduzir. Temos que ajudar na migração de sementes já pré-adaptadas de climas mais quentes. Precisamos nos tornar agentes ativos de mudança – agentes produtivos em vez de exploradores.

Richard Schiffman

 

Publicado em 06/05/2021

 

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