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Anúncio de possível descoberta de nova partícula divide cientistas

Resultados do experimento XENON apontam para possível detecção dos áxions, e podem jogar luz no enigma da matéria escura

O detector XENON1T. O que se vê é a matriz inferior de tubos fotomultiplicadores e a estrutura de cobre que cria o campo de deriva elétrico

Uma equipe de físicos anunciou o que pode ter sido  a primeira detecção de uma nova partícula, o áxion. 

Áxions são partículas teóricas, isto é, nunca observadas e  que não pertencem ao Modelo Padrão da física de partículas, que descreve o comportamento das partículas subatômicas. Físicos teóricos propuseram inicialmente a existência dos áxions na década de 1970 para resolver problemas na matemática que descreve o funcionamento da  força nuclear forte, que conecta as partículas chamadas quarks. Mas desde então os áxions se tornaram uma explicação popular para a matéria escura, a substância misteriosa que compõe 85% da massa do universo, e mesmo assim não emite luz. 

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Se a detecção for confirmada, não há certeza de que os áxions iriam, de fato, consertar as assimetrias observadas na força forte. E  não iriam explicar a maioria da massa “perdida” no Universo, diz Kai Martens, físico da Universidade de Tóquio  que trabalhou no experimento. Esses áxions, que parecem ser transmitidos pelo Sol, não atuam como “a matéria escura  fria” que o físicos acreditam formar  halos ao redor das galáxias. E estas  partículas teriam surgido recentemente dentro do Sol, enquanto que a massa da matéria escura  parece que existe,  sem nenhuma alteração, há bilhões de anos desde o início do Universo. 

Além disso, a própria detecção dos  áxions ainda não é uma certeza, de qualquer maneira. Apesar de haver dois anos de coleta  de dados acumulados, a indicação de  um sinal ainda é frágil, em comparação  ao que os físicos precisam para anunciar a descoberta de uma nova partícula. Com o tempo, conforme mais dados cheguem, diz  Martens, é possível de que a indicação de  um sinal possa  sumir como nada. 

Ainda assim, certamente parece que houve um sinal. Ele apareceu em um tanque  subterrâneo escuro de 3.5 toneladas (3,2 toneladas métricas) de líquido xenon – o experimento XENON1T localizado no Laboratório Nacional Gran Sasso na Itália. Ao menos dois outros efeitos físicos poderiam explicar os dados vistos no  XENON1T. Entretanto, os pesquisadores testaram diversas teorias e descobriram que os áxions transmitidos pelo sol eram a explicação mais plausível para seus resultados. 

Os físicos que não estavam envolvidos no experimento não tiveram a oportunidade de revisar os dados antes do anúncio de ontem (17 de junho) às 10 horas da manhã. Os repórteres souberam da descoberta antes do anúncio , mas os dados e a pesquisa da descoberta não estavam disponíveis. 

A Live Science repercutiu o anúncio feito pela  colaboração XENON com dois especialistas na pesquisa de  áxions. 

“Se isso for verdadeiro, e o ‘se’ é uma grande questão, essa é a maior virada de jogo no meu campo da física desde a descoberta da aceleração cósmica”, disse a Live Science em um e-mail Chanda Prescod-Weinstein, uma física da Universidade de New Hampshire que não faz parte da colaboração

(A descoberta da aceleração cósmica em 1998 mostrou que o universo não apenas está expandindo, como também a taxa de expansão está acelerando). 

A colaboração XENON busca por pequenos feixes de luz nos tanques escuros e isolados de xenon — dos quais o XENON1T, que funcionou  entre 2016 e 2018, é o maior exemplo de todos. 

Como está localizado no subterrâneo , a salvo da maioria das fontes de radiação, apenas algumas partículas (incluindo a matéria escura ) poderiam chegar ao tanque e colidir com os átomos no líquido em seu interior, estimulando os flashs. A maioria dos flashs  são fáceis de explicar, e são o produto de  interações com partículas que os físicos já conhecem. Apesar do escudo subterrâneo do laboratório, partículas de todos os tipos conseguem descer até ele e gerar  a maioria dos eventos que são observados pelos detectores de XENON. Os pesquisadores de XENON buscam por flashs “a mais”, isto é, uma quantidade maior do que seria de se esperar tomando por base o que se sabe sobre a física de partículas, o que pode sugerir a existência de novas partículas. 

Essa é a primeira vez que um dos detectores do XENON realmente registrou  um excesso, um pico na atividade em uma faixa de  baixa energia que se encaixa com a expectativa dos físicos caso os áxions solares de fato existam. 

Até agora, os resultados do XENON descartaram parcialmente outros tipos de candidatos à matéria escura, as chamadasforam detectados  “partículas massivas que interagem fracamente”  (em inglês, WIMPS). Não detectaram suficientes flashs nos níveis de energia que a maioria das WIMPS iriam produzir para apoiar a hipótese de que eles sejam reais, o que efetivamente descartou  a maioria das variantes possíveis de WIMP. Mas, até então, os experimentos não haviam apresentado evidências para nenhuma nova partícula. 

“Apesar de as WIMP serem o paradigma dominante para a matéria escura por muitos anos, a proposta do áxion estava circulando durante o mesmo período, e os anos recentes mostraram um aumento nos experimentos procurando por áxions”, diz Tien-Tien Yu, física na Universidade de Óregon, que também não estava envolvida no experimento XENON. 

Então, se confirmada, a detecção de áxion encaixaria perfeitamente com desenvolvimentos recentes na pesquisa de matéria escura (incluindo dados mais antigos da XENON) que fizeram os populares WIMPS parecerem chutes muito distantes. 

Entretanto, Yu disse a Live Science que não está convencida sobre isso. 

“Seria empolgante se fosse verdade, mas eu sou cética porque poderia haver alguma outra fonte ainda não considerada ”, ela diz. (Também é difícil avaliar os dados sem vê-los, ela acrescenta. 

Por exemplo, alguma fonte radioativa pode ter disparado os sensores da XENON1T de maneiras que imitariam os padrões esperados por áxions solares interagindo com o xenon líquido. 

Yu lembra que no passado já houve anúncios não confirmados de  descobertas de partículas de matéria escura antes. E os “áxions solares” que o XENON pode ter encontrado não aparentam representar a verdadeira matéria escura  fria (que poderia ter se originado no início do Universo e “esfriado”), mas apenas áxions quentes produzidos em nosso Sol. 

A colaboração XENON em propôs três explicações possíveis diferentes para o efeito, que descreveram como um “excesso” de eventos em baixas energias dentro dos tanques.

A melhor explicação para o excesso que eles observaram, diz XENON, seria realmente os áxions solares. Eles expressaram um intervalo de confiança de “3.5 sigma” nesta hipótese. 

Isso significa, diz Martens, de que a possibilidade de que  o sinal tenha sido produzido por uma radiação  de fundo aleatória, e não por  áxions solares, é de 2 em 10 mil.  Normalmente os físicos só anunciam a “descoberta” de uma nova partícula se os resultados atingirem um intervalo de confiança de  5 sigma, o que significa que há uma chance de 1 em 3,5 milhões de que o sinal tenha sido produzido por flutuações aleatórias. 

As outras possibilidades que consideraram eram menos convincentes, mas ainda merecem ser levadas a sério. 

Pode haver traços não detectados de trítio radioativo (uma versão do hidrogênio com dois nêutrons) no XENON1T, o que faria  com o que o líquido ao redor brilhe. A equipe do XENON trabalhou muito para evitar esse tipo de ruído desde o começo, diz Martens. Ainda assim, ele disse, os pequenos níveis de trítio em questão aqui seriam impossíveis de aparecer. E como o XENON1T agora está desmontado para a construção de um futuro experimento maior, é impossível voltar e checar novamente. 

A hipótese do trítio se encaixa com os dados de um intervalo de confiança de 3,2 sigma. Joey Neilsen, um físico na Universidade de Villanova na Pensilvânia, que não estava envolvido com XENON, diz que isso corresponde a uma chance de 1 em 700 de que flutuações aleatórias teriam produzidos o sinal. 

Também é possível que neutrinos — partículas já conhecidas emitidas pelo Sol que também atravessam a Terra  — tenham interagido mais fortemente com os campos magnéticos do que o que seria de se esperar. Se isso for verdade, de acordo com uma declaração da colaboração de XENON, os neutrinos poderiam explicar o sinal que eles estão observando. Essa hipótese também tem um intervalo de confiança de 3,2 sigma, eles escrevem. 

Mas mesmo que os neutrinos expliquem o resultado de XENON, o Modelo Padrão da física de partículas teria de ser rearranjado para explicar o comportamento inesperado do neutrino, Yu aponta. 

Um certo tipo de pista poderia indicar  que a hipótese dos áxions solares deveria ser levada mais a sério: mudanças sazonais nas datas das detecções, diz Yu. 

“Se o sinal for de fato de áxions solares, espera-se uma modulação  devido a posição do Sol em relação à  Terra”, ela diz. 

Conforme a orbita do nosso planeta o distancia de sua estrela, a transmissão de áxions solares deveria ficar mais fraca.  Conforme a Terra se aproxima do Sol, diz Yu, o sinal deveria se fortalecer. 

Martens diz que não há  variação sazonal  visível no sinal de XENON1T. O sinal é muito fraco, e o experimento foi breve demais, tendo durado apenas  dois anos, para que o XENON1T pudesse ter registrado algo assim.  

Provavelmente os físicos  tratarão  os resultados do XENON1T como preliminares para o futuro próximo. Um experimento futuro e maior da XENON chamado de XENONnt, ainda em construção na Itália, deve oferecer estatísticas mais claras depois de completo, diz a equipe. Experimentos futuros atuais ou em construção nos Estados Unidos e China irão somar aos dados existentes. 

Uma esperança, diz Martens, é de que a variação sazonal aparecerá nos dados quando os detectores XENONnt mais sensitivos terminarem seu período de funcionamento  de cinco anos. Isso seria um fator muito forte a favor dos áxions solares, ele diz. E então, todos os experimentos internacionais devem combinar suas reservas de  xenon puro  para construir um detector de 30 toneladas. Talvez assim fosse  possível estudar esse sinal em detalhe (se for real) ou detectar outras partículas “escuras”. 

Então esses resultados ainda são preliminares. Ainda assim, diz Precod-Weinstein, houve uma série de rumores  na comunidade física antes  do anúncio. 

“Se isso for verdade, é algo importante”, ela escreve. “Estou hesitante para fazer comentários sobre a qualidade dos dados sem ter tido tempo  para examinar os resultados e discutir com meus pares. Claramente eu preferia um resultado de sigma 5!”. 

Rafi Letzter – publicado originalmente em LiveScience

Publicado em

18/06/2020

 

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