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A consciência é parcialmente preservada durante a anestesia geral

O cérebro pode processar sons e palavras mesmo que a pessoa não se lembre depois

Quando alguém recebe um anestésico, aparenta perder a consciência – ou pelo menos para de reagir ao ambiente. Mas seria a consciência totalmente perdida durante a anestesia ou ela persiste no cérebro em estado alterado? Esta questão foi explorada no projeto de pesquisa “The Conscious Mind: Integrating subjective phenomenology with objective measurements” da Universidade de Turku e do Hospital do Distrito Sudoeste da Finlândia. Nele, estudou-se os mecanismos neurais da consciência humana. As alterações causadas pelos anestésicos foram monitoradas com eletroencefalograma (EEG) e tomografia por emissão de pósitrons (PET).

O estudo é um projeto conjunto entre o grupo de pesquisa do Professor Adjunto de Farmacologia e Anestesiologia Harry Scheinin, que estuda os mecanismos da anestesia, e o grupo de pesquisa do professor de Psicologia Antti Revonsuo, que estuda a consciência humana e o cérebro do ponto de vista da filosofia e da psicologia. O estudo foi conduzido em colaboração com pesquisadores da Universidade de Michigan, em Ann Arbor, e da Universidade da Califórnia, em Irvine, nos EUA. As descobertas mais recentes do projeto foram publicadas nas edições de julho de quatro revistas diferentes, entre elas dois dos principais periódicos em anestesiologia. Os principais financiadores do projeto são a Academia da Finlândia e a Fundação de Jane e Aatos Erkko.

O cérebro sonha e processa palavras durante a anestesia

Na primeira parte do estudo, participantes voluntários saudáveis foram anestesiados com dexmedetomidina ou propofol. As drogas foram administradas com infusões controladas por um computador até que o indivíduo perdesse a capacidade de resposta. A partir deste estado, os indivíduos poderiam ser acordados com uma leve agitação ou uma voz alta sem alterar a injeção das drogas. Imediatamente após as pessoas recuperarem sua responsividade, foram questionadas quanto a terem sentido alguma coisa durante o período de anestesia.

Praticamente todos os participantes reportaram experiências de sonho que às vezes se misturavam à realidade, disse Revonsuo.

Durante a anestesia, foram tocadas para os participantes frases em finlandês gravadas. Metade delas terminava com uma palavra congruente, isto é, lógica; a outra metade, com uma palavra inesperada (incongruente), tal como “O céu noturno estava cheio de tomates cintilantes”. Normalmente, quando uma pessoa está acordada, a palavra inesperada causa uma resposta no EEG que reflete como o cérebro processa o significado da frase e da palavra. Os pesquisadores testaram se os indivíduos detectaram e entenderam palavras ou frases enquanto estavam sob anestesia. 

As respostas do EEG mostraram que o cérebro não consegue diferenciar sentenças normais e bizarras quando está sob anestesia. Quando usamos dexmedetomidina, mesmo  as palavras esperadas criaram uma resposta com significado, o que mostra que o cérebro estava tentando interpretar o significado das palavras. No entanto, quando os participantes acordaram da anestesia, eles não se lembraram das frases que ouviram. Os resultados foram os mesmos com ambas as drogas, diz uma das pesquisadoras e professora adjunta, Katja Valli.

Durante a anestesia, foram também reproduzidos sons desagradáveis aos participantes. Quando eles acordaram, os sons foram tocados novamente e, surpreendentemente, eles reagiram mais rápido a esses sons do que a sons que não tinham ouvido antes. Os indivíduos que receberam dexmedetomidina também reconheceram mais os sons ouvidos durante a anestesia, num percentual superior ao dos acertos por acaso, embora não lembrassem deles espontaneamente.

Em outras palavras, o cérebro pode processar sons e palavras mesmo que a pessoa não se lembre  depois. Contrariamente à crença comum, a anestesia não requer perda total da consciência, pois é suficiente apenas desconectar o paciente do ambiente, explica Scheinin.

A forma como o  estudo foi aplicado permitiu a separação da consciência de outros efeitos da droga

As mudanças percebidas no EEG foram, em grande parte, semelhantes aos estudos anteriores. No entanto, o presente estudo utilizou uma infusão constante, tanto com os participantes dormindo como com eles acordados, o que permitiu aos pesquisadores diferenciar os efeitos das drogas na consciência de outros possíveis efeitos diretos ou indiretos. Em parte porque esses efeitos se misturam, ainda é um grande desafio estimar a profundidade da anestesia durante a cirurgia.

O projeto também estudou a partir de imagens PET os efeitos de quatro anestésicos diferentes no metabolismo regional de glicose cerebral. As descobertas aliviaram a preocupação com possíveis efeitos prejudiciais da dexmedetomidina na relação entre fluxo sanguíneo cerebral e metabolismo. No futuro, o projeto analisará ainda mais a associação entre o fluxo sanguíneo cerebral ou metabolismo e o estado de consciência.

A consciência “está sonhando” durante a anestesia

Em suma, os resultados indicam que a consciência não é necessariamente perdida por completo durante a anestesia, mesmo que a pessoa não esteja mais reagindo ao ambiente. Experiências e pensamentos oníricos ainda podem flutuar na consciência. O cérebro ainda pode registrar a fala e tentar decifrar as palavras, mas a pessoa não vai entender ou lembrar-se delas conscientemente, e o cérebro não pode interpretar suas sentenças por completo.

O estado de consciência induzido pelos anestésicos pode ser semelhante ao sono natural. Enquanto dormem, as pessoas sonham e o cérebro observa as ocorrências e estímulos ambientais de forma subconsciente, resume Revonsuo.

A anestesia pode ser mais parecida com o sono normal do que se pensava anteriormente, acrescenta Scheinin.

Universidade de Turku

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